( Do meu livro: ENSAIOS CONTEMPORÂNEOS " A SER LANÇADO
EM 14/11, NA FEIRA, 18HS)
Sobre o purgatório, o limbo e os castigos
cristãos
Franklin
Cunha
Médico
Como nos sistemas penais
civis, no sistema penal cristão as punições variam conforme a gravidade dos
delitos. O presídio de segurança máxima é o inferno, onde na entrada
abandona-se “ogni
speranza“. Os condenados por pequenos
delitos vão para o purgatório, de onde poderão sair um dia. Seria uma prisão em
regime semi-aberto. O céu é o local onde ficarão por toda a eternidade os
cristãos que jamais cometeram um delito grave ou foram absolvidos pelo Juiz Supremo.
Estranho estabelecimento
correcional é o limbo. Dante o define como um abismo para onde vão as almas dos
que não cometeram pecados graves e não mereceram o céu por não terem recebido o
batismo que é a la
porta della fede.
O discurso da Igreja tem
variado em função dos sistemas filosóficos e científicos dominantes. A criação
do limbo foi uma resposta a uma nova intelectualidade que perguntava se era
justo castigar com o inferno personalidades de grandes qualificações do mundo
cultural pré-cristão como os filósofos pagãos da antiguidade e crianças
não batizadas. Embora nos primórdios da Igreja alguns teólogos admitissem a
existência de um estágio intermediário entre o céu e o inferno, Santo Agostinho
imbuído de sua doutrina pessimista sobre a natureza humana, negou a existência
desse estágio e atribuiu a estas crianças uma pena severa e definitiva. No
século VI, o papa Gregório I (590-604), adotou o ponto de vista agostiniano ao
condenar ao inferno os seres humanos que morriam sem ser não batizados.
Foi no século XIII que apareceu a expressão limbus puerorum, das crianças e limbus patriarcharum, dos patriarcas. Estas concepções penais da Igreja se
inseriam num vasto movimento intelectual liderado por Tomás de Aquino e
caracterizado por uma multiplicação de locais intermediários entre o paraíso e
o inferno. Entretanto, no concílio de Lion (1274), onde a existência do
purgatório foi dogmatizada, não houve decisão semelhante acerca do limbo.
Estas indefinições da Igreja
se explicam porque, contra as rígidas posições
agostinianas reafirmadas no concílio de Florença (1439), existia forte pressão
das famílias da nobreza assoladas por altas taxas de mortalidade
infantil. Além da culpa que isto causava, lhes parecia injusto condenar ao
inferno as crianças inocentes, mortas sem ser ser batisadas..
No século XVII, numerosos
teólogos, se esforçaram por definir uma via intermediária entre a posição
escolástica e a visão repressiva de Santo Agostinho. Então, mesmo diante
das doutrinas jansenistas e agostinianas, ambas contrárias à existência do
limbo, obrigaram Pio VI (1775-1799) a legítimizar a existência do limbo.
Entretanto, ao ser discutido este tema no concílio Vaticano I de 1870, a idéia do limbus puerorum et
patriarcharum não foi questão
dogmática. Mas agora, Bento XVI, num relânpago mental de racionalismo e
bom senso terminou com o limbo e com certas bizantininices
católicas correlatas.
Sursum corda !!!