domingo, 2 de novembro de 2014

O SISTEMA PENAL CRISTÃO - POR FRANKLIN CUNHA


( Do meu livro: ENSAIOS CONTEMPORÂNEOS " A SER LANÇADO EM 14/11, NA FEIRA, 18HS)



Sobre o purgatório, o limbo e os castigos cristãos

 

Franklin Cunha

Médico

Como nos sistemas penais civis, no sistema penal cristão as punições variam conforme a gravidade dos delitos. O presídio de segurança máxima é o inferno, onde na entrada abandona-se “ogni speranza“. Os condenados por pequenos delitos vão para o purgatório, de onde poderão sair um dia. Seria uma prisão em regime semi-aberto. O céu é o local onde ficarão por toda a eternidade os cristãos que jamais cometeram um delito grave ou  foram absolvidos pelo Juiz Supremo.

Estranho estabelecimento correcional é o limbo. Dante o define como um abismo para onde vão as almas dos que não cometeram pecados graves e não mereceram o céu por não terem recebido o batismo que é a la porta della fede

O discurso da Igreja tem variado em função dos sistemas filosóficos e científicos dominantes. A criação do limbo foi uma resposta a uma nova intelectualidade que perguntava se era justo castigar com o inferno personalidades de grandes qualificações do mundo cultural pré-cristão como os filósofos pagãos da antiguidade e crianças não batizadas. Embora nos primórdios da Igreja alguns teólogos admitissem a existência de um estágio intermediário entre o céu e o inferno, Santo Agostinho imbuído de sua doutrina pessimista sobre a natureza humana, negou a existência desse estágio e atribuiu a estas crianças uma pena severa e definitiva. No século VI, o papa Gregório I (590-604), adotou o ponto de vista agostiniano ao condenar ao inferno os seres humanos que morriam sem ser não batizados. Foi no século XIII que apareceu a expressão limbus puerorum, das crianças e limbus patriarcharum, dos patriarcas. Estas concepções penais da Igreja se inseriam num vasto movimento intelectual liderado por Tomás de Aquino e caracterizado por uma multiplicação de locais intermediários entre o paraíso e o inferno. Entretanto, no concílio de Lion (1274), onde a existência do purgatório foi dogmatizada, não houve decisão semelhante acerca do limbo.

Estas indefinições da Igreja se explicam porque, contra as rígidas  posições agostinianas reafirmadas no concílio de Florença (1439), existia forte pressão das famílias da nobreza assoladas por altas taxas de  mortalidade infantil. Além da culpa que isto causava, lhes parecia injusto condenar ao inferno as crianças inocentes, mortas sem ser ser batisadas..

No século XVII, numerosos teólogos, se esforçaram por definir uma via intermediária entre a posição escolástica e a visão repressiva de Santo Agostinho. Então, mesmo  diante das doutrinas jansenistas e agostinianas, ambas contrárias à existência do limbo, obrigaram Pio VI (1775-1799) a legítimizar a existência do limbo. Entretanto, ao ser discutido este tema no concílio Vaticano I de 1870, a idéia do limbus puerorum et patriarcharum não foi questão dogmática. Mas agora, Bento XVI, num relânpago mental de racionalismo e bom senso terminou com o limbo e com certas bizantininices católicas correlatas.

Sursum corda !!!