terça-feira, 27 de novembro de 2012

O BIOMA PAMPA E SEUS HABITANTES- publicado hoje na Gazeta do Sul de S. Cruz


 Coluna  Eco lógico – Gazeta do Sul – Santa Cruz do Sul
ruy gessinger

 

 

Deixem eu explicar a vocês que a maior parte do Brasil e do RS tem uma ideia mítica, fantasiosa, do que é a vida numa fazenda de criação de gado e ovelhas na região do pampa gaúcho. Não tem nada de viola, trago e cachaça. Ao menos na minha estância.

Nela você anda 10 km de uma ponta até outra. Devido ao solo pedregoso, há que se ter muito respeito com as peculiaridades dessa terra: não se pode “apertar” o campo com lotação excessiva, não se deve derrubar árvores e é indispensável fazer barragens e açudes para coletar a água da chuva. Mesmo assim, com estiagem prolongada os açudes se entregam. E a irrigação? Se fosse viável economicamente todo mundo já teria, podem ter certeza. Quem não gosta de progredir?

Os habitantes desses lugares são diferentes em quase tudo dos das cidades industriais. A uma, porque vivem mais perto da natureza e dos animais. A duas, porque não têm por demais arraigado o hábito do consumismo, nem da intensa informação midiática, muito menos do luxo.

Essa região, ainda pouco atingida pela Rede Globo, que insiste em padronizar o Brasil, conserva um linguajar próprio e um despojamento da ostentação.

  Meu capataz, Luiz César Martins, está comigo há 15 anos. Quando o admiti, ensinei-o a usar a calculadora, o celular, anotar as coisas, comprei um caminhão boiadeiro e o mandei à autoescola, para tirar a Carteira E. Consegui, aos poucos, tirar ideias “mágicas” de sua cabeça quanto a curas milagrosas tanto de gente como de animais. Em compensação, ele me ensinou a ser panteísta, a respeitar os desígnios da natureza, a ser amigo dos bichos, a olhar para pequenos indícios de seca, de chuva, de temporal. O que se pode fazer e não fazer nas diferentes fases da lua. Que se deve tratar com dignidade os animais. E, principalmente, o valor de uma conversa com TV e rádio desligados.

 Em troca eu o convenci a mandar o filho mais velho para a Faculdade de Veterinária, e ele mesmo se aperfeiçoar com cursos do Senar (inseminação, manejo, tansferência de embriões), e ele me ensinou que o desmame precoce demais não funciona naquela região. Nessa troca já o convenci a, de vez em quando, apear do cavalo e cuidar da horta, que comer salada faz bem, que tem de cuidar dos dentes. Também que não se deve usar  venenos.

É um povo muito interessante que eu aprecio demais. A princípio eu achava que era indolência o fato de no verão pararem o trabalho das 12 às 16 horas. Hoje eu me convenci que é  atitude sábia, pois é um absurdo mexer com os animais durante a ressolana.

 Em 15 anos de atividade pastoril jamais me faltou um terneiro, uma vaca ou uma ovelha. E olha que são cerca de 2.500 animais. O campeiro não se incomoda de ficar solito num fundo de campo arrumando o alambrado por três dias. A enorme maioria não consome álcool. Seu Deus está em toda a parte e não só nos templos. Para eles se aplica a fábula do Bom Pastor: não sossegam enquanto não encontram uma novilha desgarrada. Não se incomodam de dar mamadeira a um cordeirinho guaxo.
 Para a minha turma sua Copa do Mundo é a Expointer. Brigam entre si para ver quem é que vai me acompanhar naquelas duas semanas. Olham desconfiados para as gurias com quase tudo “de fora”, rebolando as ancas. Mas terminados os julgamentos querem é voltar para a querência. Não têm proposta para ficarem na cidade grande. É a linda diversidade de nosso Estado