Coluna Eco lógico – Gazeta do Sul – Santa Cruz do
Sul
ruy gessinger
ruy gessinger
Deixem eu explicar a
vocês que a maior parte do Brasil e do RS tem uma ideia mítica, fantasiosa, do que
é a vida numa fazenda de criação de gado e ovelhas na região do pampa gaúcho.
Não tem nada de viola, trago e cachaça. Ao menos na minha estância.
Nela você anda 10 km
de uma ponta até outra. Devido ao solo pedregoso, há que se ter muito respeito
com as peculiaridades dessa terra: não se pode “apertar” o campo com lotação
excessiva, não se deve derrubar árvores e é indispensável fazer barragens e
açudes para coletar a água da chuva. Mesmo assim, com estiagem prolongada os
açudes se entregam. E a irrigação? Se fosse viável economicamente todo mundo já
teria, podem ter certeza. Quem não gosta de progredir?
Os habitantes desses
lugares são diferentes em quase tudo dos das cidades industriais. A uma, porque
vivem mais perto da natureza e dos animais. A duas, porque não têm por demais
arraigado o hábito do consumismo, nem da intensa informação midiática, muito
menos do luxo.
Essa região, ainda
pouco atingida pela Rede Globo, que insiste em padronizar o Brasil, conserva um
linguajar próprio e um despojamento da ostentação.
Meu capataz, Luiz César Martins, está comigo
há 15 anos. Quando o admiti, ensinei-o a usar a calculadora, o celular, anotar
as coisas, comprei um caminhão boiadeiro e o mandei à autoescola, para tirar a
Carteira E. Consegui, aos poucos, tirar ideias “mágicas” de sua cabeça quanto a
curas milagrosas tanto de gente como de animais. Em compensação, ele me ensinou
a ser panteísta, a respeitar os desígnios da natureza, a ser amigo dos bichos,
a olhar para pequenos indícios de seca, de chuva, de temporal. O que se pode
fazer e não fazer nas diferentes fases da lua. Que se deve tratar com dignidade
os animais. E, principalmente, o valor de uma conversa com TV e rádio
desligados.
Em troca eu o convenci a mandar o filho mais
velho para a Faculdade de Veterinária, e ele mesmo se aperfeiçoar com cursos do
Senar (inseminação, manejo, tansferência de embriões), e ele me ensinou que o
desmame precoce demais não funciona naquela região. Nessa troca já o convenci
a, de vez em quando, apear do cavalo e cuidar da horta, que comer salada faz
bem, que tem de cuidar dos dentes. Também que não se deve usar venenos.
É um povo muito
interessante que eu aprecio demais. A princípio eu achava que era indolência o
fato de no verão pararem o trabalho das 12 às 16 horas. Hoje eu me convenci que
é atitude sábia, pois é um absurdo mexer
com os animais durante a ressolana.
Em 15 anos de atividade pastoril jamais me
faltou um terneiro, uma vaca ou uma ovelha. E olha que são cerca de 2.500
animais. O campeiro não se incomoda de ficar solito num fundo de campo
arrumando o alambrado por três dias. A enorme maioria não consome álcool. Seu
Deus está em toda a parte e não só nos templos. Para eles se aplica a fábula do
Bom Pastor: não sossegam enquanto não encontram uma novilha desgarrada. Não se
incomodam de dar mamadeira a um cordeirinho guaxo.
Para a
minha turma sua Copa do Mundo é a Expointer. Brigam entre si para ver quem é
que vai me acompanhar naquelas duas semanas. Olham desconfiados para as gurias
com quase tudo “de fora”, rebolando as ancas. Mas terminados os julgamentos
querem é voltar para a querência. Não têm proposta para ficarem na cidade
grande. É a linda diversidade de nosso Estado