RUDOLF GENRO GESSINGER
Essas noites frias de garoa e de bastante vento, que riscam a boca do inverno, me atrasavam o sono quando eu era piá.
O
barulho de alguma folha de zinco que levantasse um pouco me assustava. O poncho
de carnal vermelho do meu pai me tapava junto com mais uma ou duas cobertas.
Qualquer susto, era só se esconder embaixo dele que eu estaria protegido.
Às vezes eu ouvia barulhos mais fortes de coisas caindo no
zinco, como se fosse uma chuva grossa. Eram as bolinhas do cinamomo, que
garantiam que o teto estava ali e inteiro.
Eventualmente, eu mergulhava num sono sem escalas até o começo
da manhã. Minha mãe já tinha feito fogo no fogão à lenha, gesto que, por si só,
já esquentava o coração da casa.
Seja ensopado ou carreteiro, a comida que ela faz no fogão à lenha
sempre fica uma delícia incomparável!
Do lado de fora das janelas, tinha um mundo diferente, pois
molhado e embarrado, mas também seguro e muito divertido. Sentir o calor de
dentro de casa, enxergar os cavalos e a lida acontecendo na mangueira me deixava
fortalecido e animado para sair porta a fora.
As marcas paralelas de pneus logo depois da porteira contavam
que minha avó tinha saído para a cidade tarde da noite ou cedo da madrugada. O
charme dela era tamanho que até nos seus rastros minha avó deixava alegria.
De volta para almoçar, eu tinha que limpar as botas na grama
ou no pano que tinha na soleira da porta. Entrar em casa embarrando o piso
deixava minha mãe furiosa, mas tive que fazer isso algumas vezes por excesso de
fome.
Criei o hábito de ler bastante no inverno muito tempo depois,
por isso minhas tardes eram espelhadas nas manhãs. Acompanhar o manejo do gado
era minha forma de aprender, ajudar e brincar, tudo ao mesmo tempo.
Antes do tombo da tarde, eu pegava um caniço e ia para a beira
do açude pescar. Assistindo o sol ir embora para a Argentina, eu sentia a
suprema majestade da natureza. Até hoje e para sempre, esse será meu grande
momento de paz.
Meus
pensamentos se emparelhavam e se expandiam igual às ondinhas que arrepiavam a
água toda vez que a boia piscava com os peixes beliscando a isca.
“A
hora de puxar não é quando correr a linha, mas quando tua cabeça mandar”. Assim
ensinaram minha mãe e minha avó, para a pesca e para a vida.
O
que eu trouxesse no samburá era o que menos me importava, mesmo porque meu
organismo nunca me permitiu comer nada que viveu na água.
Não
deixava de ser minha contribuição para as jantas do inverno. Os outros na
estância ficavam felizes com os lambaris e jundiás que deixaram de nadar no
açude para boiar na frigideira.