ACIMA DA LEI
A decisão da 2a. turma do Supremo Tribunal Federal de suspender o mandato de Aécio Neves e de decretar a prisão domiciliar noturna do senador, foi uma patuscada e tanto. Deve-se esperar sempre da Corte Suprema um papel proeminente na preservação da ordem legal e institucional. Mas de vez em quando, ao invés de atuar em favor da harmonia e equilíbrio entre os poderes, de trazer calma ao ambiente institucional, derrapa feio, e se torna um fator a mais na instabilidade do país.
Merecidamente, os autores da decisão, ministros Barroso, Fux e Rosa Weber, recebem críticas severas de todos os lados, de editoriais como do jornal O Estado de São Paulo, de juristas como o ex-ministro do STF Carlos Velloso, de jornalistas como Demétrio Magnoli e Hélio Schwartsmann, da Folha de São Paulo.
Note-se que as críticas não se destinam a defender o senador do PSDB. O entendimento da maioria é o de ele ter, sim, contas a prestar à Justiça, no caso em pauta. Mas daí ao Tribunal criar figuras não previstas da lei, como a suspensão de mandato parlamentar e a prisão domiciliar noturna, vai descomunal distância, que nem um estagiário de Direito ousaria enunciar.
Há juízes, como Fux e Barroso, que não se comprazem em decidir nos termos estritos da lei. Preferem seguir as próprias convicções ou atender aos "clamores da sociedade". Mas na democracia, no estado democrático de direito, as leis existem entre outras e relevantes razões exatamente para isso: para que os juízes, quando chamados a decidir, tomem por base a existência e o conteúdo do respectivo texto legal.
Obviamente, o juiz pode ter vontade individual, visão de mundo, convicções. Mas na hora de decidir deve abstrair delas, em nome da soberania da lei. Os "clamores da sociedade", embora respeitáveis - são parte da democracia -, não podem se sobrepor ao que está escrito no texto legal.
Todo o arcabouço legal está assentado sobre esses conceitos basilares, que o aluno de Direito aprende no primeiro ano de faculdade. Porém certos juízes, ministros dos tribunais superiores e procuradores do Ministério Público ou faltaram às aulas quando a matéria foi lecionada ou não aprenderam a lição fundamental. Atuam de forma voluntariosa, imprudente, sem medir consequências. O aparato das leis, para eles, é insuficiente. Colocam os seus postulados de ordem moral, ideológica e política acima das leis. Investem-se da prerrogativa de legislar e criar o direito. Jogam para a mídia, a torcida.
Os ativistas do Judiciário decidem, às vezes, sem a lei e até contra a lei, mas sempre em nome de objetivos nobres: o combate à corrupção, a proteção dos mais fracos, o desequilíbrio entre as partes. Mas todas as leis são escritas com objetivos nobres! Fux e Barroso, dentre outros, talvez considerem as leis vigentes imperfeitas para a grandeza de sua missão, para a sede de justiça que imaginam possuir.
É claro que situações assim não prevalecem. Vão ser corrigidas à frente, no Senado ou no próprio STF. Mas foi uma lambança artificial, desnecessária, porque alguns iluminados se acham acima da lei e capazes de fazer melhor do que ela.