Bela intervenção do jornalista José Cruz neste debate.
Todavia, faltou o detalhe que também ajudou a empurrar o jornalismo impresso
para o seu ocaso: a falta de isenção e de pluralidade dos jornais. Sem um
marco regulatório, aqui no Brasil, que evitasse a concentração exagerada de
poder empresarial nas mãos de poucos, a imprensa privada do nosso país acabou
concentrando 90% das editorias sob o controle férreo de apenas 7 famílias.
E estas 7 famílias, é claro, colocaram os interesses
empresariais de seus mega-oligopólios de mídia como item n.º 1 da sua lista de
prioridades, na hora de decidir quais notícias publicar e com qual viés
fazê-lo. Nossa imprensa privada começou a aliar-se a correntes políticas
favoráveis aos interesses de seus negócios empresariais, passando a fazer o uso
da notícia como instrumento para favorecer seus próprios negócios, para
interferir nas decisões de eleitores e não para, exatamente, informar os seus
leitores. Este fenômeno foi bem referido e previsto há 35 anos pelo professor
Sérgio Capparelli, nas aulas magistrais do curso de Jornalismo da PUC-RS que
freqüentei. Disso resulta hoje que os grandes jornalistas e articulistas
existentes são profissionais muito talentos, mas que resultaram “pautados”,
aprisionados em jaulas mentais dentro das redações, por ordens de seus chefes
de editoria. Os jornais hoje nivelam o noticiário entre o que é
“liberado”, de acordo com a visão dos interesses empresariais e lucrativos do
editor, do que é tabu, assunto impublicável, porque contraria aqueles
interesses, o que é lamentável.
Isto “matou” o elemento que é da essência do jornalismo: a
diversidade e a pluralidade de opiniões e de idéias sobre as notícias e os
assuntos. Na Copa do Mundo, todos sabem, a imprensa nacional cumpriu o papel
feio que lhe impôs aqueles 7 famílias, divulgando a rodo que o Brasil não
estava preparado nem tinha competência para sediar uma Copa do Mundo no
denominado “padrão FIFA”. Algumas publicações estrangeiras embarcaram
nesta onda e, confiando no que estava sendo publicado pela nossa imprensa,
chegaram a repercutir esta impressão lá fora. Quando a Copa estava por
iniciar-se e, junto com ela, jornalistas do mundo inteiro aportaram por aqui e
viram, com seus próprios olhos, que aquelas previsões apocalípticas da nossa
imprensa, sobre a incapacidade do Brasil para sediar uma Copa, não eram
verdadeiras e, pior, não eram sinceras, porque o alvo era o desgaste do governo
federal para fins eleitorais nas eleições de outubro, a imprensa internacional
deacreditou-se na imprensa brasileira. E o país que faria mico na Copa
entregou ao mundo a “Copa das Copas”, segundo respeitáveis editores da imprensa
de fora. Foi nisso que deu, então, esta falta de pluralidade: o total
descrédito que hoje se abate sobre a nossa imprensa, de parte dos jornalistas
do mundo inteiro. Por fim, outro fato curioso sobre isso: com todos
os jornais apoiando, alguns ostensivamente, candidatos de oposição, sendo que
no segundo turno este apoio em relação ao candidato oposicionista atingiu as raias
do absurdo no caso Veja, o que ocorreu é que os eleitores brasileiros, em sua
maioria, votaram na candidata da situação. Em resumo: a imprensa nacional
vive hoje um grande e colossal descrédito, seja fora ou dentro do país.
Dias atrás, me ligaram da Zero Hora, com uma oferta “imperdível”
de assinatura. Minha resposta foi esta: “por que é que vou pagar
todo mês para um jornal tentar ma enganar todo dia, se disponho de um exército
de gente tentando fazer isso de graça a todo instante?” O interlocutor nem
respondeu e encerrou a ligação.
Um outro aspecto que penso esteja hoje ajudando a corroer ainda
mais a credibilidade do jornalismo (inclusive o jornalismo eletrônico) é o
excesso de opinialismo, a ancoragem desmedida e o analisecismo
exacerbado. Explico. Toda vez que uma notícia é divulgada, o veículo de
imprensa acha que precisa escalar alguém para “explicar” ou “traduzir” ao
leitor ou telespectador o que esta notícia deve significar para ele. Trata-se
de uma espécie de paternalismo mental atávico. Os donos da imprensa, ao fazerem
isso, subestimam a capacidade mental dos consumidores da notícia que divulgam,
como se fossem incapazes de analisá-la e de chegarem às suas próprias
conclusões. Então, surge a notícia e, em seguida, aquele comentarista, o
âncora, o expert, aquele ou aquela que virá para dizer como este consumidor da
notícia deve recebê-la e como deverá preocupar-se com ela. Ou seja: para
a imprensa, os consumidores de notícias são todos mentecaptos, incapazes de
concluir alguma coisa por si mesmos!
O mais incrível é que a imprensa nacional praticada pelos
grandes grupos de comunicação conseguiu chegar hoje a um resultado
constrangedor, de falar uma só língua, de ter uma só opinião formada sobre toda
e qualquer notícia, ao comentá-la e explicá-la de forma igualitária em suas
implicações e significados. Não há contra-ponto. Toda a imprensa
fala sobre as mesmas coisas e utiliza a mesma forma de linguagem, a mesma
interpretação, num mesmo estado mental onde todos pensam da mesma forma.
Ora, os recebedores das informações seriam, nesta ótica, terminais-burros que
só servem para pagar por notícias e receber aquelas que os donos da mídia dizem
que são importantes, já mastigadas devidamente por um analista. E este
consumidor da notícia deve considerar apenas o que o analista irá dizer sobre a
notícia. Então, dar a notícia apenas não basta, é preciso que alguém venha
dizer o que ela significa para o estúpido do recebedor dela. Ora, os
recebedores de notícias de hoje, desde que tenham recebido alguma instrução,
são pessoas que receberam 70 vezes mais volume de informações do que os seus
pais. E estão criando filhos que irão receber 70 vezes mais informações do que
eles.
Será mesmo que este grande público consumidor de notícias
precisa de alguém que as mastigue e as interprete? Ainda mais sendo
pessoas que vivem hoje num ambiente de interação global, sem fronteiras e em
tempo real. O que os donos das redações de hoje em dia ainda não se
aperceberam é que o seu público alvo mudou muito. Ele é formado atualmente, em
grande parte, por pessoas que possuem opiniões próprias sobre os mais variados
assuntos. O jornalismo, então, deveria servir-lhe as notícias, sem esta
mastigação toda, feita, não raro, por quem não entende nada do que está
tratando. É neste ponto que o consumidor da notícia sente-se manipulado ou
tratado como se fosse incapaz de receber a notícia. E quando ele ouve a
explicação do âncora, irá querer dizer, muitas vezes, “ei, espera aí, isto não
é bem assim...” ou “não vejo esta informação desta maneira...”. Então,
frustrados, estes consumidores de informações vão aos poucos migrando de mídia
informativa, vão procurar um ambiente que não lhes cause esta frustração, onde
possam receber a notícia sem mastigações e onde possam exercer o seu contraponto,
praticando algo que não existe no jornalismo tradicional: a interatividade.
Irão para um ambiente em que não sejam tratados como terminais-burros de
informações. Neste ambiente, serão agentes de integração e de interpretação das
informações, interagindo e se expressando com muitas outras pessoas. Este
ambiente, é claro, é o da Internet. É o das redes sociais. Não é sequer o do
jornalismo eletrônico.
Então, a tentativa de manipulação da informação e/ou a
subestimação do público consumidor de notícias, com a imposição de um
paternalismo exacerbado e pouco isento sobre este público, é o tiro-no-pé que a
imprensa dispara, o buraco que ela cavou para cair dentro. A concepção
toda na forma de lidar com a informação está ultrapassada e defasada., Não se
pode mais admitir a idéia de entregar a notícia sob a embalagem de um
descomunal paternalismo, em que a notícia deva ser servida repleta de palpites
de âncoras, de analistas e de supostos experts, todo mundo mastigando esta
notícia, porque o público recebedor não aceita mais o papel de terminal-burro
de informações. Explicar ao consumidor da informação aquilo que ele já concluiu
por si mesmo é o grande erro cometido pela imprensa nacional. Já é
possível hoje debater a aprofundar qualquer tema em fóruns de troca de
informações das redes sociais. O jornal que não compreender que não se pode
mais subestimar o próprio público morrerá cedo e logo.
Att. Rogério