Pedem-me otimismo, mas se fosse exigida de mim a oferta
da dor causada pelo olho do machado, daria elas por elas. Não me venhas tu de
novo com aquelas frases empacotadas, cheias de ecletismo. A sociedade
aparvalhada quer saber apenas o que tens a oferecer de proveitoso, além do
inútil palavreado sonoro, com cheiro de naftalina. Basta de púlpitos e
tribunas. O homem foi embora de si, e se perdeu entre os mapas da navegação. O
discurso virou uma atividade tão banal quanto as folhas secas que o outono vai
varrendo para debaixo das árvores copadas.
A mulher do vilarejo, vinda de parto ocorrido na viatura
policial, procura em vão o remédio para controlar a hemorragia uterina,
medicamento que o político lhe prometeu perto do palanque. Se ninguém do povo
exigiu nada, por que, então, se obrigar a tanto, argumenta o bem votado,
enquanto se afasta da eleitora com a cautela própria dos covardes.
O velho sisudo, de rígida educação recebida em colégio de
padre, crítico voraz dos maus costumes, entregou-se de vez à lábia da
princesinha do lupanar. A doação em cartório da casa mobiliada e piscina com
azulejo é mera retribuição ao simulado amor que Kelly Andressa sente por
Amâncio. Os filhos havidos com a primeira mulher, e ela junto, que arranjem
outro lugar para morar. Agora, as atenções mudaram de endereço, e a amásia já
deixou claro para o provedor que não vai aceitar gente estranha abrigada sob a
mesma carpintaria.
O jogo lancinante das paixões prossegue intenso sobre o
pano nauseabundo das aparências. O gordo imprevisível e o salafrário
encurralado pela jogatina desistiram das apostas, diante do adiantado estado de
podridão do sentimento de piedade dedicado ao próximo.
É uma questão de tática a ser empregada no
aperfeiçoamento dos negócios escusos, balbucia o da ponta da mesa, insinuando a
derrota do amigo contendor, que deu uma saidinha. Foi ao banheiro, vomitar a
última fatia de esperança que estava entalada na garganta.
Ninguém é um balaio de ternura. Mora em nós o lado
perverso assimilado no contato das ruas. Ou, quem sabe, te imaginas diferente
dos demais irmãos de reza e infortúnio? Por falar nisso, nunca é demais trazer
à boca o segundo quarteto dos Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos: Acostuma-te
à lama que te espera!/O Homem, que, nesta terra miserável,/Mora, entre feras,
sente inevitável/Necessidade de também ser fera.
À tardinha, escuta bem, ó distraído transeunte, o sino da
igreja chamando desesperadamente os crédulos para a missa de corpo presente da
senhora Dona Fé. Matou-se de tédio, desiludida face às últimas ocorrências.