Observo, contristado, impotente, o falecer de tanta coisa
bonita. As saídas à noite, voltando a pé. Os restaurantes das conversas até
madrugada sem medo de arrastão. As casas de praia sem cercas nem
muros. As pequenas cidades: da rua, das casas abertas, se podendo
ver as camas, os crucifixos, os rosários pendentes. A liberdade de
ir e vir está em concordata, agora incerta pelos bloqueios de vias por
inconformados com o contrato social, já que revogaram o pacto de nossas
inconformidades serem solvidas pelo Estado, que se encontra em pleno processo
de falência.
Até aí tudo claro. Só agora nos demos conta de
que, ao fim ao cabo, aquele arroio de onde bebíamos água com a concha das
mãos, é uma mentira que nossos filhos e netos levam como mero
folclore, pois não passa o tal regato de um tubulão de esgoto.
O mais grave, a mim ao menos parece, é o falecimento de
alguns grandes amigos de infância e que povoaram o lar onde fui criado:
os amigos” muito obrigado”, “ desculpe” e “ com licença”.
Pedem-me uma opinião urgente sobre um problema: respondo por
mail após ingente pesquisa. Mataram no caminho o meu amigo “ obrigado” .
Nenhum agradecimento.
Estou em plena palestra com alunos e sou interrompido por um
circunstante sem mais aquela. Nos programas de rádio e TV as pessoas se
aparteiam aos gritos e com um virulência espantosa. Mataram o “ com licença” .
Triste com tudo isso, decido afogar minhas mágoas com um
vinhote num atardecer de sábado. No estacionamento de um supermercado ,
conquanto tenha idade para estacionar na ala dos “ idosos”, vejo que musculosos
jovens e guapas garotas ocupam o lugar. Admito, comiserado, que devem estar em
estado de necessidade.Quem sabe se seus bebês não estão com falta da papinha
em vidros. Vaidoso que sou, nem por decreto estaciono na ala dos
velhinhos.
Como eu só queria uma garrafa de vinho e um pedaço de
queijo, dirijo-me à caixa de poucos volumes. Encontro um bi-trem na
minha frente.
Mataram o “ desculpe”.
Chamo um uber para me levar às exéquias destes meus três
amigos de infância. Sou barrado neste país de pseudo livre iniciativa por
agentes da lei.
Dobrem os sinos nesse requiem dolorido.