Nem
Marias, nem Madalenas!
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Maria Berenice Dias
Advogada
Presidenta
da Comissão da Diversidade Sexual do Conselho Federal da OAB
Vice-Presidenta
do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito das Famílias
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Sempre existiu - e ainda existe - enorme
dificuldade em ser admitida a sexualidade feminina. Historicamente a única
visualização da prática sexual era a gravidez. Até parece que a
procriação esgotava o cumprimento do chamado "débito conjugal".
Esta visão puritana e preconceituosa ainda
persiste na ideia beatificada da mulher. Vista somente como esposa ou
mãe sua pureza, recato, castidade, integridade é decantada como elemento
qualificador, como uma virtude. Todos conceitos ligados à sexualidade, ou
melhor, à abstinência sexual. Basta atentar à forma como as mulheres sempre
foram educadas: para ter medo, se manterem submissas, com o estigma de
pertencerem ao sexo frágil, precisando ser protegidas e cuidadas.
Jamais podiam tomar qualquer iniciativa
para não parecerem "oferecidas". Nem manifestar desejo sexual ou
ceder às investidas de namorados ou noivos. Precisavam casar virgens. Tanto
que, até o advento do atual Código Civil, que data do ano de 2002, o marido
podia pedir a anulação do casamento por erro essencial de pessoa, se
desconhecia que ela não era virgem.
Aprenderam a ser recatadas e comedidas à espera
do príncipe encantado. E no dia do casamento, na chamada noite de núpcias,
estas resistências desaparecem e precisa ela cumprir com o seu dever de
esposa.
Com o casamento as mulheres tornavam-se
rainhas do lar, devendo se satisfazer somente com a criação dos filhos, o
sucesso do marido e a organização da casa. Afinal, foram adestradas com
bonecas e casinhas para as atividades domésticas. Estes eram o seu único
ponto de gratificação. Afastar-se destas tarefas gera culpas
O fato é que as mulheres permanecem reféns
da visão sacrossanta da maternidade, considerada como uma verdadeira missão.
Até se fala de "instinto maternal", o que lhes subtrai a condição
de pessoas capazes de tomar decisões acerca da própria vida. Sequer têm o
livre arbítrio para decidir se desejam ou não ter filhos. A proibição do uso
de métodos contraceptivos e a criminalização do aborto são provas disso.
Tudo isso por uma influência muito grande
da religião, que tem uma visão dicotômica da mulher: ou santa ou prostituta.
Ou Maria ou Madalena. A santificação da mulher é de tal grau que a gravidez
da chamada Virgem Maria aconteceu por revelação. Ela e o marido fizeram voto
de castidade. Nada mais do que rejeição à vida sexual.
Os tempos mudaram, é verdade, mas, até
hoje, a virtude da mulher está ligada à ausência do exercício da sexualidade.
Já os qualificativos do homem dizem com a sua performance sexual,
estimulada desde muito cedo. O prazer é banido e condenado para ela, não para
o homem.
As
mulheres, todas elas, precisamos ser autoras do seu destino, senhoras da
sua história: nem Marias, nem Madalenas.
Cada
uma deve ter orgulho de ser simplesmente mulher.
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