RUDOLF GENRO GESSINGER
Esses dias, conversando com minha irmã, percebi que nossos pais estão entordilhando e que os veteranos do nosso tempo já começaram a desaparecer.
Comentei que não vai tardar a sermos nós os velhinhos contadores de histórias para os jovens que ainda não existem.
Na estrada para Porto Alegre, lembranças que podem se tornar boas histórias carinhosamente vieram matear comigo.
Eu deveria ter 12 anos. Estava voltando da escola a pé e, no caminho, cheguei no advogado da família para pegar ou deixar algum documento.
Era meio dia e eu comeria até o prato, se me deixassem. Percebendo isso, Dr. David me convidou para almoçar.
Ele tinha, na época, mais de 70 anos. Seu escritório ficava na primeira peça à esquerda de quem entrava em sua casa.
O almoço seria polenta, o que nunca tinha visto sair das panelas de minha mãe. Dr. David se maravilhou com minha satisfação ao comer.
Ao longo dos anos, por várias vezes visitei o Dr. David. Quase sempre só resolvia chegar, pois me sentia em casa naquele escritório cheio de livros.
O pomar dele me encantava também. Sua esposa me ensinou a colher as frutas sem arranca-las da árvore.
Nas contravoltas da vida, me tornei advogado. Muito me aconselhei com o Dr. David em tardes que passávamos conversando.
Sempre me maravilhei com a forma como ele conhecia os fatos, os lugares onde ocorreram e a personalidade das pessoas.
Militar de carreira, Dr. David tinha uma visão sistemática dos processos e do expediente forense. Outra virtude dele era saber traduzir suas constatações em exemplos fáceis de entender.
"A liminar tem que ser concedida ou negada após a primeira leitura da petição, porque a decisão é para ser rápida. Que nem a a la minuta: o próprio nome sugere que a comida tem que ficar pronta ligeiro".
Como toda a arte, a advocacia tem seus segredos. Algumas liturgias do Dr. David adotei na minha prática.
Aprendi a deixar as petições iniciais e recursos dormirem uma noite. No outro dia, releio, altero algum detalhe e protocolo.
A lição disso é que o teu próprio olhar precisa ser reciclado para que vejas de forma mais clara.
A perspectiva é fundamental também.
Pedidos urgentes devem ser revisados no teu cansaço. Assim tu lês com os óculos de quem trabalha no fórum, me ensinou Dr. David.
Nos últimos anos, Dr. David adotou um gato, muito parecido com o Garfield. O "Secretário" gostava de ficar deitado sobre os documentos do escritório.
Em sua sabedoria, Dr. David me disse que um animal se torna teu amigo quando fazes carinho atrás das orelhas dele. Validei a teoria com o Secretário e, principalmente, com cachorros.
Dr. David valorizava suas amizades. Uma vez, ele me perguntou se eu acreditava que ele ia conversar com o Dr. Aléssio Viero quase todas as manhãs, antes de voltarem cada um para suas lides jurídicas.
Claro que acreditei, respondendo que, se eu passar dos 80 anos saudável que nem ele, visitarei o Rodrigo todos os dias.
Recentemente, quando me separei, busquei orientação na amizade e nos conselhos do Dr. David, que me disse:
"Rapaz, tu ainda vais enroscar a roupa em muito arame por aí".
Minha última mensagem para o Dr. David foi de cumprimentos pelos seus 89 anos, no dia do descobrimento do Brasil, no começo do outono.
Em 26 de julho de 2025, David Marin Bressan se tornou um dos veteranos do meu tempo que desapareceu desse plano da existência.
Junto com tantas outras lembranças, fica aqui meu testemunho da amizade e da admiração que conservo por um homem que amou seu país, sua família e sua profissão, sendo ídolo para mim e para tantos outros advogados santiaguenses.