Em quase todas as terças, em Porto Alegre, perto do meio-dia, reúnem-se na confluência dos locais onde estão o palácio do governo, da assembleia e da justiça, pessoas descontentes com isso ou aquilo.
Como tenho um apartamento na frente do Solar dos Câmara, ouço, quando lá estou, discursos e mais discursos. Mas tudo pacifico, sem polícia nem nada.
Voltemos ao passado.
Era 1965. Eu estava no primeiro ano de Direito da UFRGS. Naquele tempo não havia esse sistema de hoje em que o aluno faz "cadeiras" e quase nunca se forma uma "turma". Poucos se conhecem.
Já a minha turma ficou junta do primeiro ao quinto ano. A grande vantagem era o tranquilo acesso aos professores. Isso não tem preço: conhecer pessoalmente o professor, fazer-lhe perguntas, estudar em grupo com os colegas. Formatura com todos que passaram juntos.
Tínhamos tempo para uma conversa entre uma "brahma" e outra no CAAR ( Centro Acadêmico André da Rocha). Os "Diretórios" acadêmicos foram nomenclatura da Ditadura. Nós mantivemos o glorioso nome de nosso centro acadêmico. Mas isso já está prescrito.
Um dia me disseram: “vamos lá pra frente da Reitoria e fechar o trânsito. A Filosofia, a Arquitetura e a Medicina estão apoiando”.
Lá fui eu. Já havia bastante gente. Não me lembro bem qual era o motivo da manifestação. Dali a pouco chegou o "Choque" e fez uma barreira ali bem na esquina com Osvaldo Aranha.
Um policial fardado, grandão, pegou o megafone e disse:
- vocês têm cinco minutos para se dispersar. Depois vamos baixar o cacetete.
Uma coleguinha foi pra frente dos caras do Choque e disse:
- vocês são operários também e não vão bater nos estudantes.
Alguém deu a sugestão:
- vamos todos sentar no chão que eles não vão nos bater.
Sentei-me também.
Quando foi dada a ordem de atacar, a primeira que pegaram foi aquela menina, que urinou sangue. Consta que sofreu uma hematúria devido às cacetadas que lhe deram num ponto sensível.
Eu levei uma paulada no ombro e outra no joelho.
Ganindo de dor caí para trás e vi, lá no terraço da Reitoria, quase toda a Diretoria das entidades estudantis.
Lá em cima, longe do pau, igual a reis que não pegavam na lança...
Rolei para o lado e saí “pinoteando” e gritando de dor, me embretei na Redenção e depois fui cautelosamente até a Tomás Flores,no Bom Fim, onde eu morava.
Aquelas duas cacetadas me fizeram ver as coisas mais claramente....
O problema era que se te “bobeasses” o DOPS vinha te pegar.
Para felicidade de todos nós retornou a democracia.
Me preocupo com o surgimento, aqui e ali, de vozes querendo a ditadura.