Ninguém precisa lembrar dos nossos direitos:
temos a mais completa noção do que eles sejam, do seu significado amplo e
de como eles nos afetam. Dos nossos deveres, entretanto, temos um vago sentimento,
e deles frequentemente nos esquecemos - embora estejamos sempre prontos para cobrá-los
dos outros.
temos a mais completa noção do que eles sejam, do seu significado amplo e
de como eles nos afetam. Dos nossos deveres, entretanto, temos um vago sentimento,
e deles frequentemente nos esquecemos - embora estejamos sempre prontos para cobrá-los
dos outros.
É fácil explicar a opção preferencial pelos
direitos: eles nos beneficiam, dizem respeito ao que nos é mais caro e
conveniente, do que melhor nos serve e é confortável. A consciência de nossos
direitos, a plenitude de sua vigência nos faz cidadãos. Os direitos são, no seu
patamar mais elevado, portanto, uma questão de cidadania.
Mas definitivamente não atribuímos aos
nossos deveres o mesmo valor e peso. Os deveres não estão inseridos - não no
mesmo patamar - na consciência coletiva dos brasileiros, no conceito de
cidadania. Nunca pensamos neles - os deveres – como a outra face dos nossos
direitos. Nesse desbalanço e descompasso está parte substancial do atraso, da
leseira conformista que nos paralisa e não nos permite sair do lugar.
Como diz Luis Felipe Condé, "ter
direitos não molda caráter, cumprir deveres, sim. Um dos estragos do mundo
contemporâneo é essa histeria por direitos em toda parte". Uma cultura de
direitos não molda o caráter do indivíduo e menos ainda da nação.
Não é à toa que a Constituição Federal de
1988 usa a expressão "direito(s)" 76 vezes. Quanto aos deveres do
cidadão, a Carta menciona apenas dois: o de se alistar e votar nas eleições e o
serviço militar obrigatório. As demais citações de dever(es) dizem respeito à
família, sociedade e Estado, como em "a saúde é direito de todos e dever
do Estado".
Um amigo bolsonarista (sim, tenho amigos
bolsonaristas - não muitos, mas tenho) dizia, antes da eleição, que votaria no
capitão porque ele era militar. Segundo ele, a caserna é um lugar onde se
aprende a disciplina, a ética da obrigação e do trabalho, uma compulsão para o
dever. Meu amigo reconhecia em Bolsonaro um certo primarismo, mas achava que
ele, por causa da formação militar, impulsionaria, de uma posição estratégica
(a presidência), um novo reequilíbrio entre direitos e deveres, inserindo com
vigor na vida nacional, a noção de responsabilidade.
Doce ilusão, ledo engano. Bolsonaro se
elegeu contra a velha política, mas era e é um político. E político gosta de
falar de direitos, não de deveres. Fala o que o povo quer ouvir.
Bolsonaro ensaiou alguns passos tímidos
nesse caminho, ao contar que começou a trabalhar cedo, antes dos 10 anos.
Poderia ser um bom começo para introduzir um debate sobre o tema: infundir
desde cedo na criança, no adolescente, a noção de responsabilidade do cidadão,
os seus deveres para com a sociedade, a obrigação de trabalhar e produzir.
Mas foi apenas um breve pitaco, tão ao
gosto do presidente: ele logo recuou, talvez porque os seus opositores acusaram-no
de defender (injustamente, diga-se) o trabalho infantil "tout court",
sem limites.
Não há sinais de mudança. Vamos continuar
assim, proclamando nossos direitos e quanto aos deveres, só os dos outros.
Vamos continuar na leseira geral.
titoguarniere@terra.com.br