A AGONIA DO POETA
Franklin Cunha
Médico
Sua
casa era a cidade inteira: rua da Praia, rua do Arvoredo, praça da Alfândega,
praça da Harmonia, alto da Bronze.
Fumava
Hollywood e sorria aos desconhecidos que todos o conheciam.
Agora
não fuma, nem sorri. Não tem para quem. As visitas, raras; algum amigo, fugazes
fantasmas noturnos, anjos aleatórios, uma sobrinha-enfermeira.
Permanece horas e horas mirando livros empoeirados. Quem vê suas lombadas
empoeiradas não imagina os tesouros neles escondidos. Os livros são sua imagem
de papel. Rimbaud, Verlaine, Monsieur Jourdain, Eugenie Grandet: suas paixões e
traduções.
O livreiro-editor já se foi. O dono do jornal que o aconchegava, também. E o
boêmio seu cúmplice do café Dezessete toma seus tragos em alguma volta de
nuvem, atento à fiscalização abstêmia do anjo Malaquias.
Sente saudades do Majestic e do quarto com infinito pé-direito. Ainda ouve as
vozes das prostitutas, suas vizinhas, que o abordavam no elevador da madrugada
com dúvidas existenciais e lhe filavam um cigarro.
Seu
quarto de agora é pequeno com um sorrateiro penico, agora
mais útil que os livros, pois está quase cego e incontinente.
Acaba de acordar angustiado no meio de um sonho. A noite corria alta e uma
tempestade se anunciava lá pelas bandas do Gasômetro. Apertando o passo, chegou
ao abrigo da praça Quinze, justo no momento em que o último bonde Independência
partia. Como chegaria ele agora à pensão de dona Chininha na rua dos
Cataventos? Como terminaria seu último poema que deixara inacabado?