quinta-feira, 30 de maio de 2024

ERA ASSIM MEU INVERNO

 RUDOLF GENRO GESSINGER


       Essas noites frias de garoa e de bastante vento, que riscam a boca do inverno, me atrasavam o sono quando eu era piá.

O barulho de alguma folha de zinco que levantasse um pouco me assustava. O poncho de carnal vermelho do meu pai me tapava junto com mais uma ou duas cobertas. Qualquer susto, era só se esconder embaixo dele que eu estaria protegido.

       Às vezes eu ouvia barulhos mais fortes de coisas caindo no zinco, como se fosse uma chuva grossa. Eram as bolinhas do cinamomo, que garantiam que o teto estava ali e inteiro.

       Eventualmente, eu mergulhava num sono sem escalas até o começo da manhã. Minha mãe já tinha feito fogo no fogão à lenha, gesto que, por si só, já esquentava o coração da casa.

       Seja ensopado ou carreteiro, a comida que ela faz no fogão à lenha sempre fica uma delícia incomparável!

       Do lado de fora das janelas, tinha um mundo diferente, pois molhado e embarrado, mas também seguro e muito divertido. Sentir o calor de dentro de casa, enxergar os cavalos e a lida acontecendo na mangueira me deixava fortalecido e animado para sair porta a fora.

       As marcas paralelas de pneus logo depois da porteira contavam que minha avó tinha saído para a cidade tarde da noite ou cedo da madrugada. O charme dela era tamanho que até nos seus rastros minha avó deixava alegria.

       De volta para almoçar, eu tinha que limpar as botas na grama ou no pano que tinha na soleira da porta. Entrar em casa embarrando o piso deixava minha mãe furiosa, mas tive que fazer isso algumas vezes por excesso de fome.

       Criei o hábito de ler bastante no inverno muito tempo depois, por isso minhas tardes eram espelhadas nas manhãs. Acompanhar o manejo do gado era minha forma de aprender, ajudar e brincar, tudo ao mesmo tempo.

       Antes do tombo da tarde, eu pegava um caniço e ia para a beira do açude pescar. Assistindo o sol ir embora para a Argentina, eu sentia a suprema majestade da natureza. Até hoje e para sempre, esse será meu grande momento de paz.

Meus pensamentos se emparelhavam e se expandiam igual às ondinhas que arrepiavam a água toda vez que a boia piscava com os peixes beliscando a isca.

“A hora de puxar não é quando correr a linha, mas quando tua cabeça mandar”. Assim ensinaram minha mãe e minha avó, para a pesca e para a vida.

O que eu trouxesse no samburá era o que menos me importava, mesmo porque meu organismo nunca me permitiu comer nada que viveu na água.

Não deixava de ser minha contribuição para as jantas do inverno. Os outros na estância ficavam felizes com os lambaris e jundiás que deixaram de nadar no açude para boiar na frigideira.

quinta-feira, 16 de maio de 2024

RECONSTRUÇÃO

 RUDOLF GENRO GESSINGER


   Os últimos cinco anos têm enrugado o couro de nós gaúchos. Foram dois anos de pandemia, dois anos de seca e agora uma enchente de dimensões estaduais sem precedentes que muda os rumos de 2024. Aliás, esse era o ano para a agricultura do Rio Grande do Sul desatolar, mas quem ainda tinha a soja “do tarde” ou arroz para colher perdeu o resto da lavoura.

      Essas perdas inerentes ao risco do negócio acabaram sendo insignificantes perto da devastação na vida de quem perdeu alguém ou perdeu tudo. A coragem dos voluntários e a solidariedade de quem doa o mínimo que seja têm unido nosso povo de uma maneira comovente e exemplar.

Corremos risco de ficar desabastecidos de água potável e por isso é fundamental poupar. 

Estamos vivendo o paradoxo da água: o donativo mais importante para os desabrigados é água, o mesmo elemento que invadiu suas casas e os forçou a estarem ali. Falta água encanada apesar de não parar de chover.

       Por enquanto, estamos sobrevivendo à enchente. Quando a catástrofe tiver números finais, começa a parte mais demorada e difícil que será a reconstrução de casas, de estradas e de vidas inteiras.

       Será um desafio que dependerá da união, do trabalho e da solidariedade do nosso povo.

A Alemanha ficou debulhada depois das guerras mundiais, mas se tornou potência em todos os sentidos depois de ter sido reconstruída pelo seu povo. Os imigrantes alemães, de quem descende maioria da população de Santa Cruz, abandonaram o mundo que conheciam levando fé e trabalho. Abrindo picada, construíram do zero um dos municípios mais imponentes do Rio Grande do Sul.

       Quanto ao Governo Federal, precisaremos de ajuda para criar empregos para toda a gente que precisa recomeçar a vida. Já passou da hora de ser menos burocrático e caro empregar formalmente um trabalhador. Ao mesmo tempo, precisa ser facilitado o acesso a crédito para quem quiser empreender.

       De uma forma ou de outra, é inadiável que respeitemos a força da Mãe Natureza. Se for necessário, deixe tudo para trás e saia de casa, pois o nível de um rio pode subir ligeiro.

Não faltam estudos para entendermos como viver sem agredir nosso planeta, que é nossa casa. As consequências das ações da humanidade não respeitam os limites territoriais que criamos.

Assim que conseguirmos nos recuperar, já precisaremos pensar em como ajudar os outros. Os problemas ambientais são comuns a todo Brasil, logo as soluções devem ser mais amplas que os problemas locais.      

Aliás, a região do Pantanal está enfrentando uma seca que pode atingir níveis críticos até o final do ano. Sabiam?

                

 

terça-feira, 7 de maio de 2024

OLHO NO PACHECO

 RUDOLF GENRO GESSINGER


        Rodrigo Otavio Soares Pacheco, 47 anos, é radicado em Minas Gerais, advogado e atual presidente do Senado. Cabe lembrar que é condição de elegibilidade para o cargo de senador a idade mínima de 35 anos, portanto Rodrigo Pacheco pode ser considerado jovem para seu mister.

       Autêntico gentleman, Rodrigo Pacheco lidera de maneira serena, busca não desagradar nem o governo federal, nem a oposição, apesar de ser assertivo em seus posicionamentos. Típico mineiro, está alcançando uma posição central na política nacional brasileira ao comer pelas beiradas.

Pacheco deixou bem claro: enquanto for presidente do Senado, não passará nenhum pedido de impeachment de Ministros. Essa é uma precaução salutar para nossa democracia, para a economia e reputação internacional do Brasil e para lembrar as pessoas de que deve existir harmonia e independência entre os poderes do Estado.

Outrora não se procurava tampar as panelas como faz Pacheco. O leitor deve lembrar de como foi pitoresca a votação do impeachment da então presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. Gritarias, homenagens ridículas, acusações e longos discursos vazios podados pelo impassível Eduardo Cunha ao perguntar “como vota o Deputado?” foram a caricatura da bagaceirice que existe na política nacional.   

Mirando a candidatura para governador de Minas Gerais nas eleições de 2026, Pacheco está evitando indisposições e, de quebra, aumentando capital político. A PEC das Drogas, por exemplo, foi uma resposta cívica ao julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal.

Pacheco defende que os Poderes do Estado exerçam suas funções típicas: o Judiciário julga; quem legisla é o Legislativo. Botando cada um no seu lugar de maneira polida e ao abrigo da legalidade, o presidente do Senado se articula sem alimentar a polarização política, a qual desidrata qualquer debate e nos atrasa enquanto democracia.

Garanto que Rodrigo Pacheco seria um bom vizinho: é desse perfil que nossa política precisa. Bem cotado no quinto maior colégio eleitoral do país, Pacheco será nome forte ao governo do estado de Minas Gerais as Eleições de 2026 e certamente os futuros candidatos para Presidente da República se empurrarão para contar com seu apoio político.

Acredito, inclusive, que o futuro reserva um lugar para Rodrigo Pacheco no Palácio do Planalto. Tem muito chão até lá, mas sinto que terei o prazer em votar num homem que parece digno de ocupar a cadeira da Presidência da República e à altura do desafio de unir uma nação sem ser quem grita mais alto.