terça-feira, 30 de novembro de 2021

TUITES DE TITO GUARNIERE

 TUÍTES 

 

Vira-Casaca 

 

Sempre soube que Bolsonaro era torcedor do Palmeiras. Nesta decisão da Libertadores me surpreendi com ele bradando a palavra de ordem: "Agora, somos todos Flamengo". 

Nem quando ele declara o time que torce a gente pode acreditar. 

Além de vira-casaca, pé-frio. 

 

Liberdade de quem, cara-pálida? 

 

Bolsonaro a sargentos da Aeronáutica: "Querem roubar nossa liberdade". 

Quem, cara-pálida? PSDB, PT e MDB passaram quase 30 anos no poder e nunca houve uma sombra de ameaça à nossa liberdade. 

Depois da redemocratização, as ameaças à liberdade, à democracia vieram todas do governo Bolsonaro. 

 

O cara 

 

Sérgio Moro, juiz, acelerou todos os prazos para afastar Lula da disputa presidencial de 2018, quando era o favorito. Teve êxito. O grande beneficiário foi Jair Bolsonaro. 

Depois, aceitou o cargo de Ministro da Justiça no governo, que, se não fosse por ele, provavelmente não teria existido. 

É esse o cara? 

 

A luz do mundo 

 

A luz do mundo, segundo Dilma Rousseff (PT) vem da China, e ilumina a decadência e a escuridão das sociedades ocidentais. 

Da China, o colosso totalitário – e talvez de alguns outros regimes absolutistas do Oriente Médio, como os Emirados Árabes, Bahrein, Qatar, que Bolsonaro visitou dias atrás. 

 

Lendas urbanas 

 

A decadência das sociedades ocidentais vem sendo apontada por profetas de fancaria há muito tempo. É prima-irmã da crise geral do capitalismo, que dá uns sinais tímidos, aqui e ali, e logo se recupera para retornar ao antigo esplendor. 

A decadência das sociedades ocidentais, o colapso do capitalismo, são lendas urbanas, docemente cultivadas por certa esquerda. Mas é como Mark Twain reagia diante das notícias do seu falecimento: "As notícias sobre a minha morte são um tanto exageradas". 

 

Lula-Alckmin 

 

A Chapa Lula-Alckmin parece muito forte, mas tem uma vulnerabilidade. 

São dois políticos notórios, manjados, juntos já disputaram mais de dez eleições. 

A chapa pode concentrar o sentimento antipolítico que ainda é forte em amplos setores do eleitorado brasileiro. Para Lula, é menos arriscado um vice neutro (um empresário de prestígio, um político honrado, mas não tão ostensivo, uma mulher). 

  

Doria 

 

Não consigo ver onde João Doria (PSDB) vai buscar votos. A estas alturas, com o mérito indiscutível de ter adiantado a vinda da vacina anti-Covid em pelo menos três meses e, portanto, salvado milhares de vidas, ainda assim, o ato competente e corajoso não lhe rendeu as simpatias esperadas – as pesquisas não detetaram. 

Ele terá de encontrar seu caminho, definir os seus flancos vulneráveis, resolver a falta de carisma, nos próximos meses. 

Tenho um palpite para as suas dificuldades: Doria é muito "Mauricinho"; e parece com aquelas estátuas de cera dos museus de madame Tussaud. 

 

Vexame 

 

O pastor bolsonarista Marcello Crivella não vai mais para a embaixada da África do Sul. Misturando interesses de Estado e de Igreja, Crivella estava indicado para resolver os rolos da Igreja Universal da África. 

O vexame não rolou. 

 

titoguarniere@out.look.com 

twitter: @TitoGuarnieree 

 

domingo, 28 de novembro de 2021

CRÔNICA DO MÉDICO E ESCRITOR FRANKLIN CUNHA




OS INGLESES E SUAS FAÇANHAS COLONIAIS CANTADAS EM PROSA E VERSO POR FAMOSOS INTELECTUAIS

 

" Lá longe, do outro lado do mar, temos umas quantas pessoas da raça negra às quais deixamos demasiadamente livres. Sentados com seus formosos focinhos  - que chegam até as orelhas – cravados em abóboras , bebendo a polpa e o doce suco., com os incisivos dispostos para qualquer tarefa nova... afinal as abóboras são tão baratas  como a grama nesses climas exuberantes. Enquanto isso  a cana de açúcar apodrece sem ser colhida porque não se pode contar mão de obra, afinal as abóboras são tão abaratas  ... e os belos negros , sentados , com as abóboras até as orelhas  e os patéticos homens brancos aí sentados sem uma única batata para comer.

Thomas Carlyle (1795-1881), o celebrado escritor, autor da famosa obra literária Sartor Resartus  é o autor dessas linhas.

Em outros textos ele também afirmou que "A democracia é o caos povoado de urnas eleitorais", afirmação que alguns autores afirmam se constituir na base ideológica do nazismo..

Em 1865 o governador britânico da Jamaica, E.J. Eyre, comandou um massacre de negros, em retaliação ao assassinato de alguns brancos. O fato revelou a muitos ingleses as injustiças e os horrores de vida colonial. A discussão subsequente envolveu personalidades públicas famosas, tanto favoráveis a Eyre (Ruskin, Carlyle, Arnold) com suas declaração da lei marcial e massacre dos negros  jamaicanos, como contrários a ele (Stuart Mill, Thomas Huxley). Muitos "massacres administrativos" ocorreram nas colônias inglesas de todos os continentes. Nas palavras de um historiador " a Grã-Bretanha consegui manter a distinção 

 entre a verdade para o interior do país ( menos para a Irlanda), e a autoridade imperial para o exterior que ele define como " repressão e terror". 

Um outro venerado escritor inglês foi Rudyard Kipling ( 1865-1930), laureado com o Nobel de literatura  em 1907. No entanto, nas palavras de George Orweell ele foio um "profeta do imperialismo britânico".[ Muitos viam preconceito e militarismo em suas obras principalmente quando se sabe que seu divulgadíssimo e sempre recitado poema If (Se é símbolo dos Cadetes da Academia da Força Aérea Britânica.

Para quem não conhece a obra de Kipling,  de apoio ao imperialismo britânico aos massacres dos nacionalistas das colônias,  tomadas à força, as controvérsias sobre esses temas perduram até hoje em seu acervo literário.

A história do aguadeiro Gunga Din, a serviço de  uma guarnição militar inglesa, nos emocionava ao vermos esse pobre indiano soprando um clarim e despertar os soldados de Sua Majestade num momento em que alguns andrajosos guerrilheiros  indianos  tentavam, à noite, assaltar um forte inglês, E ao vermos o filme baseado no livro, torcíamos para os ingleses que  com o ato heroico de Gunga Din, liquidaram a tiros com os patriotas indianos.

E a Família Real sempre se locupletou, sem arriscar seu pelo, com todas essas façanhas da nobre estirpe de políticos, generais e almirantes da velha Albion.

E na St. Paul Cathedral de Londres, os Almirantes, Generais e escritores  que dizimaram povos coloniais e glorificaram  e enriqueceram a Grã Bretanha ( e a Família Real) ,lá estão enterrados e homenageados com belas e brilhantes placas de ouro e prata, extraídos do solo (e do sangue)de suas conquistas territoriais.

 

Franklin Cunha

Médico

Membro da Academia Rio-Grandense de Letras

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terça-feira, 23 de novembro de 2021

PROGRAMA DE GOVERNO

 TITO GUARNIERE 

 

PROGRAMA DE GOVERNO 

 

Nenhum presidente brasileiro foi mais dependente, em economia, do que Bolsonaro em relação ao seu ministro Paulo Guedes - ao menos até certa altura. Bolsonaro dizia não entender nada de economia, no que foi sincero e está plenamente evidenciado. 

 

Por algum tempo prevaleceu a ideia de que Paulo Guedes era o Posto Ipiranga, a estação de passagem de toda a administração da economia. A ilusão durou pouco. Faltava a Guedes o conhecimento técnico e o estofo político para desempenhar papel de tal envergadura. 

 

O ex-juiz Sérgio Moro, ao que consta, já escolheu o seu economista de preferência: Affonso Celso Pastore. Não se sabe ainda até que ponto Pastore pode ter, para Moro, o mesmo significado do que Guedes para Bolsonaro. 

 

A escolha de um economista de renome, como Guedes e Pastore, é uma solução medíocre. Em geral eles vêm da economia privada, achando que os problemas do Brasil só não se resolveram, antes, porque faltava um verdadeiro condutor. Poucos se dão conta de que a lógica da administração privada, empresarial, só tangencia de leve, só coincide em questões pontuais, com as singulares exigências da administração pública. 

 

Para ficar em um só exemplo, na iniciativa privada os maiores salários (em geral) são destinados aos trabalhadores mais hábeis, qualificados e engajados no projeto. Na pública, os maiores salários com frequência são apenas isso – os maiores salários. Na empresa, um trabalhador relapso, impontual, inassíduo, não se cria por muito tempo. Na repartição pública, esse mesmo trabalhador fará carreira, receberá os mesmos benefícios dos seus colegas, sobreviverá sem maiores sobressaltos no emprego – graças à estabilidade funcional. 

 

Nas agências públicas, o funcionário estável pode até mesmo – se quiser – se opor às diretrizes do chefe imediato, e de todas as chefias superiores. Claro, ele nunca o fará por capricho, birra, ou seja lá o que for – sempre poderá alegar razões altruístas e republicanas, as quais são aquelas que ele defende e abraça. 

 

Então, antes do ministro, é preciso escrever o programa para a economia, o que supõe uma equipe afinada com as ideias do candidato e do partido, capaz de realizar um diagnóstico confiável e de apontar caminhos e soluções. O programa de governo será sempre uma obra coletiva, permeado de insights políticos e de considerações teóricas que identifiquem o projeto e apontem o rumo. 

 

Candidatos "outsider", recém-chegados na política ou na vida partidária, com frequência, "encomendam" programas como um ornamento, um documento artificial, pois é preciso tê-lo para apresentar ao distinto público. 

 

Mesmo um programa de governo laboriosamente elaborado, refletindo a história e os compromissos do partido, é peça mais de aparência do que de compromisso real. Imaginem os programas construídos "por obrigação", saídos de uma única cabeça, apenas para que o candidato possa exibi-lo como seu. 

 

Enfim, não é no programa que o eleitor tem de confiar. E menos ainda em uma ou outra figura exponencial que acompanha o candidato. Então com base em que fazer uma boa escolha? Não há fórmula mágica. É assunto para um novo artigo. 

 

titoguarniere@outlook.com 

twitter: @TitoGuarnieree 

 


terça-feira, 16 de novembro de 2021

SOBRE MORO

TITO GUARNIERE 

 

O CANDIDATO MORO 

 

Quando o ex-juiz Sérgio Moro se tornou conhecido, parecia se tratar de um magistrado jovem e corajoso, capaz de enfrentar as chicanas dos réus de crimes de colarinho branco e, quando fosse o caso, de botá-los no lugar devido, isto é, na cadeia. 

 

Nunca me deixei contagiar de entusiasmo. Sempre me incomodaram os discursos moralistas e as propensões meramente punitivistas que, desde a velha UDN, pretendem reduzir os problemas do país apenas à corrupção. Seria bom que fosse só esse o nosso gargalo, mas eles vão muito além e são muito mais complexos. 

 

Exige muito mais esforço e continuidade no tempo, por exemplo, a realização de um projeto nacional de educação, um projeto consistente de aumentar a produção dos bens e da riqueza. É muito fácil lançar mão ao dinheiro do tesouro e distribuí-lo à população mais carente. Tão fácil que Lula e Bolsonaro, embora pareçam tão antagônicos, fizeram a mesma coisa, chame-se o programa de Bolsa Família ou de Auxílio Brasil. 

 

Mas o discurso moralista sempre foi atraente – por mania e desaviso – e sempre mobilizou certas faixas da população. Collor, Lula e Bolsonaro são exemplos notórios da adesão em massa ao facilitário. 

 

Mas vá lá. A corrupção não é o nosso maior problema, mas é uma chaga moral que precisa ser extirpada. Não há porque não apoiar e aplaudir quem toma a bandeira a si e a desfralda – como Moro. 

 

Encorajado pela adesão entusiasmada das massas moralistas, que estavam em todos os lugares, na imprensa, na sociedade civil, Moro, se tornou um herói. E infeliz é o país que precisa de heróis (Brecht). 

 

Daí a misturar os fins e os meios foi um passo. E lá estava ele, o agora salvador da pátria, dando toda a máquina para atrelar a condenação de Lula, – que o tiraria do pleito de 2018  ao calendário eleitoral. 

 

Até aí tudo ao menos era discutível. Teria de verdade acelerado o processo de Lula para tirá-lo da disputa presidencial? Que ele o fez, eu não tenho dúvidas. Mas sempre poderia ser apenas uma narrativa. 

 

A máscara caiu quando aceitou o cargo de ministro da Justiça. Não se deu conta de que ia pegar mal afastar da disputa o principal contendor de Bolsonaro, e depois servir ao seu governo. 

 

Moro imaginou que no Ministério seria como em Curitiba, onde ele fazia e desfazia, sozinho, no papel do juiz do feito. Iria, portanto, dar as cartas e jogar de mão, propondo medidas, combatendo a criminalidade. Depois, era só correr para o abraço da consagração pública. Foi um fiasco. Tudo o que ele conseguiu foi assumir como seus os méritos que já vinham do governo anterior de Temer, de redução das estatísticas criminais. 

 

Após uma sequência de derrotas no Congresso – ele não tem a menor ideia como funciona o Legislativo – e de humilhações sofridas no interior do governo, pela falta de traquejo, de educação e de lealdade do chefe, pediu as contas e saiu. 

 

Volta agora como candidato. Não terá vida fácil pela frente, por causa dos erros graves que cometeu. Não é à toa que os seus índices de rejeição, nas pesquisas, são praticamente iguais aos de Bolsonaro. Ele vai ter de superá-los – um enorme desafio, dado o seu limite, o seu despreparo. 

 

titoguarniere@outlook.com 

twitter: @TittoGuarnieree 

 

 

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

PRECISO DE UM PERÍODO SABÁTICO

 Todos meus filhos têm curso superior nas mais renomadas Universidades do Rio Grande do Sul. Por sinal uma das filhas é Juíza de Direito. 

Tive um casamento que se dissolveu harmonicamente, sem nenhum problema. Fiquei  anos morando sozinho, mas sempre com os filhos na minha volta.

Conforme referi em uma crônica e em um dos meus livros, eu tinha resolvido não convolar novas núpcias. Estava bem assim.

Certa noite, lá pelas 21 horas, eu já estava deitado, era muito frio. Toca o telefone e um querido colega meu, Luiz Bastos Soares, também juiz, me intimou para ir até o Rose Place, em Porto Alegre, um “point” finamente frequentado.

Eu morava em São Leopoldo, mas fui. Sentamo-nos numa mesinha, os dois apreciando as lindas moças que por aí estavam. Eis que surge uma colega juíza, com seu namorado, mais duas outras moças sozinhas. Glênio e eu fomos convidados pela colega para nos sentarmos com elas. 

Uma loirinha, me atraiu imediatamente. Tocou o “unforgettable”, convidei-a para dançar. Ela se chamava Maristela Genro, natural de Santiago,  formada pela Unisinos em Direito, com pós na Escola da Magistratura e era concursada pelo TJRS, exercendo as funções de Assessora de Desembargador. Seus pais  eram de tradicional família campeira.

Maristela era solteira e fui me apresentar à família dela em Santiago.

Já há tformado em Direito pela PUC, advogado. Passei meu escritório em P. Alegre, no Edifício Tribuno, a ele. Rudolf se criou no meio da pecuária. Também deixei para ele administrar a fazenda. 

Maristela se aposentou.

Sou muito grato a ela porque se adequou muito aos meus costumes e convicções. Logo que fomos morar juntos levei-a a Santa Cruz para conhecer minha mãe, minhas irmãs e meus sobrinhos. Minha mãe se apaixonou por ela imediatamente. Na volta, na estrada, Maristela me disse: “como achei lindo tu falando em alemão com tua mãe. Amanhã vou me  matricular no Goethe Institut e vou em breve falar em alemão com ela.”

Pois não é que ela até entende bem o básico? Em casa, sempre que posso, peço em alemão as coisas para ela.

Agora ela e eu pensamos em ficar mais soltos, jogando tênis, não tendo mais horários, viajando um pouco. Vou precisar de um período sabático para deixar o tempo fluir calmamente, sem maiores compromissos, sem horários, mas com leves meditações.

Tenho nítida impressão de que meus artigos fugiram, nos últimos tempos, de questões mais relevantes. 

Vou, portanto, me dar um tempo, para recarregar as baterias.


sexta-feira, 5 de novembro de 2021

QUANDO ESCREVO - RUDOLF GENRO GESSINGER

QUANDO ESCREVO


Normalmente acontece no intervalo entre duas tarefas. 


Às vezes no final de uma que quanto mais perto de terminar, mais demora.


Alguma coisa em certos dias é sorteada para ser interrompida.


Uma sensação que vem como um convite pra me desconectar do que for.


Do que estiver me prendendo.


Chega sutil, tateando o foco da minha atenção.


Como alguém que assopra suavemente o ouvido de uma pessoa bem próxima.


Mas, sem dizer nada, se afasta devagar e na ponta dos pés.


Começo a caminhar errático. Bagunço meu apartamento com uma facilidade incrível!


Já é madrugada de terça para quarta-feira e algumas coisas... já poderiam estar prontas.


Algumas semanas são iguais aos anos no Brasil: só começam mesmo depois do carnaval.


Hoje não vou encontrar solução pra mais nada.


Nem vou parar para escrever: fica bom o que eu escrevo troteando. 


Quando viajo também. Escuto música, que, junto com a paisagem, me alisam as ideias. 


A que não estiver pronta puxo pelo rabo. Gravo áudios que depois escuto, lapido e passo a limpo. 


No próprio celular ou numa folha de papel, só depois de pronto que meu texto vira um alvará para ter uma boa noite de sono.


quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O QUE QUERES COMER?

 “ Was willst Du essen?”.

Essa era a primeira coisa que minha mãe dizia quando eu chegava de visita, qualquer que fosse o horário: o que queres comer?

Depois que saí de Santa Cruz aos 17 anos, procurava visitar meus pais ao menos uma  vez por mês. 

Saía sábado cedo, ficava todo tempo na casa paterna e retornava depois do meio-dia aos domingos.

Aos 21 anos consegui comprar um DKW usado.

Mais tarde, ao assumir o cargo de Juiz de Direito em Horizontina, as visitas ficaram mais espaçadas.

Por vezes chegava estafado, empoeirado, mareado,ansioso por um banho e uma cerveja no bico mesmo. Não adiantava. Eu era obrigado a comer alguma coisa: cuca, sonho, torresmo, torta, ovo frito, linguiça, resto de galinhada, enfim: era extenso o cardápio da mãe superprotetora daquele tempo. Só depois de ser bem alimentado ela contava as novidades. Meu pai aproveitava o ensejo para abrir uma cerveja, o que fazia minha mãe franzir as sobrancelhas. 

Ela era de compleição mais forte que meu pai e para ela  mulher bonita era aquela quase gordinha. Associava a magreza com falta de alimentação.

Quando eu ia embora minha mãe lacrimejava e seus olhos ficavam ainda mais azuis. 

Com o tempo comecei a ligar as coisas. 

Ao ser convidado por  amigos para almoçar, muitas vezes ouvi a seguinte frase: “ Ruy, vem na nossa casa domingo ao meio dia, vai ter muita carne, bastante comida!”

Não me importava se a carne era quase crua ou queimada.  Fui entender, na minha juventude, o valor que tem a comunhão, comer juntos. Só bem depois me flagrei que a comunhão com amigos vale muito mais que o próprio alimento.

Certo dia, estando  na Itália, embarquei num trem. Algumas estações depois entrou um senhor já de alguma idade e sentou ao meu lado. Pouco depois abriu um farnel dentro do qual estava um garrafão de vinho e um baita pão caseiro. Colocou isso sobre os joelhos, partiu um pedaço de pão com as mãos, e me alcançou  dizendo : “ mangia che  te fa bene” ( come que vai te fazer bem). Em seguida abocanhou outro pedaço para si. Após mastigar pegou o garrafão de vinho e tomou um sorvo seguido de um arroto de satisfação e prontamente me alcançou a  bebida. Aceitei com alegria. Só então me perguntou se eu era” tedesco” ( alemão). Não queria acreditar que eu era brasileiro.

Mostrei-lhe meu passaporte. Aí sim, o italiano se abriu num largo sorriso. Levantou-se do assento e fez um arremedo de dança: Pelé, carnaval, mulheres lindas.

Naquele tempo o Brasil era idolatrado pelo mundo inteiro.

Eu disse: “ in illo tempore”.  

Agora, não saberia dizer...