sexta-feira, 18 de novembro de 2022

A CRIMINALIDADE ESTÁ VENCENDO

Me doem as palavras sentidas do meu caro amigo Romeu Neumann ao narrar ,em sua crônica , os crimes de bandidos ao seu patrimônio. Peço emprestadas as palavras de Eliseu Gomes Torres, eminente jurista, desembargador aposentado. “Direito não é só retórica. É, também, conjuntura, circunstância e momento. Procuro explicar. Desde a redemocratização do país, isso em 1945 ( outubro,), passamos a viver uma era de perplexidade, decorrente da velha dicotomia entre liberdade e autoritarismo. As massas conseguiram eleger João Goulart, discípulo de Getúlio Vargas, Vice-Presidente por duas vezes. Na segunda, a renúncia de Jânio tornou-o Presidente, depois daquele sufoco que foi a Legalidade. Depois de um plebiscito, Jango retomou seus poderes presidenciais. Mas aí esbarrou num Congresso adverso e acabou deposto. Até então,vigorava no Código de Processo Penal, o instituto da prisão preventiva. Alí, nos arts. 311 a 313 do CPP, estava prevista a decretação da prisão preventiva como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal,desde que houvesse provas da existência do crime e indícios suficientes de sua autoria. Em plena vigência do regime militar, houve necessidade de abrandar o instituto da prisão preventiva. Tratava-se de assegurar a liberdade do Delegado Sérgio Paranhos Fleury, paulista, que era tido como o algoz-mor dos presos políticos da OBAN e do DOI-CODI . A chamada Lei Fleury continua em vigor até hoje e assim permanecerá, não por razões políticas, mas pela simples incapacidade do poder público em prover as vagas necessárias para segregar da sociedade os que cometeram crimes graves, puníveis com reclusão. Todavia, mesmo com a drástica redução das exigências para a decretação da custódia preventiva, é inegável que subsistem os motivos determinantes de sua decretação : garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e possibilidade de que o réu venha evadir-se para evitar a aplicação da pena. O que pretendo frisar é que as circunstâncias e conjunturas brasileiras bradam pela custódia preventiva de tais réus. A prisão deles não é uma mera questão de retórica, mas uma imposição do momento.” Lembro-me claramente que esse afrouxamento da lei redundou em uma verdadeira falência penal. Os delitos tornaram-se banais . Os criminosos sabem que os processos se arrastam e não há lugar para todos nas prisões. Não há como a Justiça dar conta de todos processos. Neumann tem razão: o crime está vencendo. (É o que penso, respeitando quem discorde, pois a matéria é controversa)

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

A "TAL" DE RESPONSABILIDADE

TITO GUARNIERE Lula está eleito e seu governo está em formação. Não votei nele no primeiro turno. Ainda tenho para mim que Bolsonaro, além de um péssimo governante, além de não ser chegado ao batente, e da vocação para a mentira e a encrenca, é a uma ameaça para a democracia. Ou seja, o meu apoio a Lula no segundo turno não se deu por afinidade, não foi escolha firme e pensada, mas porque a alternativa era muito pior. Minhas restrições a Lula não eram por causa da corrupção. Enquanto ele não for condenado pela Justiça, ou enquanto se mantiver a decisão de anulação dos seus julgamentos, no estado de Direito, prevalece a teoria da presunção de inocência. Eu, todos nós, podemos ter dúvidas sobre a sua honestidade, e temos do direito de não votar nele por isso. Porém o juízo moral, ético e político é diferente da condenação judicial. Tanto é assim que a lei lhe permitiu concorrer em 2022 – da mesma forma que o impediu de ser candidato em 2018. Mas não aposto no governo Lula, a não ser nos estritos limites dos meus motivos. Comecei a ter razão muito cedo, antes mesmo da posse. As suas declarações sobre os limites de gastos e sobre a responsabilidade fiscal denunciam que em todos estes anos ninguém, lhe informou - e nem ele descobriu por si- sobre o valor intrínseco do equilíbrio entre o que o Estado gasta e o que ele arrecada. Quando Lula se refere a "essa tal" responsabilidade, revelando seu desprezo pelo conceito, dá mostra do seu desconhecimento, a sua ignorância a respeito. Ele está parado em uma página vencida da teoria econômica, segundo a qual a responsabilidade fiscal é um truque, uma artimanha das elites econômicas, dos endinheirados, em favor dos seus próprios interesses, para melhor saquear os recursos do Estado. Sim, tais elites promovem com frequência o saque dos recursos do Estado. Mas isso não significa que – necessariamente – o equilíbrio fiscal seja um instrumento diabólico para que eles (os ricos) ganhem sempre, como em um jogo de cartas marcadas. Trata-se de uma equação razoavelmente simples: para gastar mais na melhoria de vida dos desvalidos, dos mais pobres, é preciso ter mais recursos. Se não há correspondência razoável entre o que se dispende e o que se arrecada, então em algum momento as contas se desarrumam. As consequências – aquelas que vêm depois - são devastadoras : inflação, desemprego, juros altos, crise econômica, menos recursos para a educação, saúde, segurança pública. Não tem essa de que "um pouco de inflação não faz mal a ninguém ". Faz. O processo inflacionário já é uma disfunção, um desajuste, um descontrole. Um pouco de descontrole não gera controle, tende a mantê-lo e agudizá-lo até o desastre. Quem paga a conta? Os que mais necessitam da ação e da assistência do Estado, os desvalidos, os pobres.. Não fosse assim tudo se resolveria com uma boa máquina impressora e rolos de bom papel: fazer a guitarra da emissão de dinheiro tocar, cobrir os custos e os gastos do Estado com moeda tinindo de nova. Surpreende, de todo o modo, que Lula desconheça ou menospreze tão elementar realidade. titoguarniere@terra.com.br Twitter : @TitoGuarnieree

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

SALVE ARROIO DO MEIO

Fui o primeiro juiz da então recém criada Comarca de Arroio do Meio. Está festejando 50 anos. Deixem-me contar. Em 1969 me formei em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul aos 24 anos. Em 1968 fui aprovado, com o primeiro lugar, no concurso de Delegado de Polícia. Na época era possível se inscrever nesse concurso em se estando no quarto ano da faculdade. Por razões que não cabem agora, achei melhor pedir exoneração do cargo e fui advogar em Porto Alegre. Dois anos depois me submeti ao concurso para Juiz de Direito, aos 26 anos, sendo aprovado. Eu me achava muito verde ainda para enfrentar uma comarca perto da Capital. Escolhi uma bem longe: Horizontina, que era um lugar calmo e eu poderia estudar nas horas vagas. Ocorre que era muito longe e, na época, de difícil acesso. Hoje está muito diferente e é um lugar muito progressista. Fiquei um ano e soube que a Comarca de Arroio do Meio fora instalada, mas estava sem juiz titular. Pedi remoção e me mudei “com mala e cuia” para uma confortável casa nessa linda cidade. Quando fui olhar os processos em andamento, pasmem! Entre cível e crime o total dos feitos não chegava a 350! Ninguém matava ninguém, ninguém roubava ou furtava nada, todos pagavam suas contas. Achei que ia me entediar . Relatei isso ao Presidente do Tribunal, que resolveu que eu ficaria em Arroio do Meio com a jurisdição, mas em regime de exceção julgaria processos de Soledade. Me encantei com a região toda, Lajeado, Estrela, Encantado, onde muitas vezes substituí os colegas em férias ou outro motivo. Fiquei um ano maravilhoso em Arroio do Meio, onde fiz muitas amizades. Me lembro até hoje das partidas de futebol de salão que eu jogava. De dormir no verão com as janelas abertas. Da alegria das pessoas. Dos peixes do rio que costeia a região. Muitas vezes me indagava: porque não são todas as cidades assim? Por que não há criminalidade? Me lembro bem que a famosa cidade de Nova Bréscia fazia parte da Comarca de Arroio do Meio. Certo dia o Promotor de Lajeado e eu fomos convidados para um churrasco em Nova Bréscia, onde a maioria dos habitantes era de origem italiana. Na hora dos discursos o Promotor, que fizera estágio na Itália e falava corretamente o italiano, pediu a palavra e fez seu discurso. As pessoas faziam meneios com a cabeça, não entendendo nada. Claro, o pessoal falava um dialeto e não entendia esse italiano acadêmico. Ao ser promovido, depois de um ano, saí chorando. Até hoje tenho saudade. Por sinal, tenho saudade de todos os lugares onde jurisdicionei.