sábado, 19 de outubro de 2024

COMPROMETIMENTO

RUDOLF GENRO GESSINGER

A vida exige que tu te comprometas com teus projetos. Precisas fazer acordos, honrar a palavra, vencer os prazos.

Por vezes, contudo, é mais fácil se comprometer com os outros. Tua mãe precisa de algo, teus amigos, teu filho, a empregada. A cada tanto alguém vai te demandar e isso é corolário de assumir responsabilidades. O mais trabalhoso é se comprometer com tuas próprias ideias, dar sequência.

Um mandamento que aprendi pelas pessoas que me criaram foi que não podes deixar serviço pelo meio. Comer tudo que está no prato, se servir aos poucos, não precisas te embuchar.

Enquanto responsáveis, precisamos nos comprometer. Precisamos entrar em um acordo conosco sobre o que queremos para o futuro.

Se não for possível para ti abrir mão de nada pelo futuro, teu destino é ver o presente e suas circunstâncias se apagando. Não desejar nada melhor à frente tende a te deixar à deriva, como um plástico boiando no mar.

Se só olhares para o passado, teres crenças sobre a vida das quais não consegues abrir mão, não viverás mais dentro do presente – o único tempo que existe - quanto menos vislumbrarás o futuro.

Olhar o amanhã por vezes é ter esperança. É lutar por um ideal.

Se não existirem desafios, já morreste e não sabes. “Há mortos que morrem devagar”, acho que foi no Foucault que li esse trecho precioso.

Essa frase se prova verdadeira na imagem de um toco. Antigamente árvore, hoje meio ou completamente seco, apodrecendo. Árvore em pé, por menor que tenha ficado, mas morta por dentro.

 Se passaste por momentos difíceis sem que tenhas superado o esforço do trajeto, já foste algo e agora és uma sombra. Se não tens nenhuma expectativa sobre o futuro, teus sonhos acabam e passas a viver congelado num tempo que não existe mais.

Tu simplesmente não consegues te comprometer com teu futuro. És resultado de algo que não consegues mudar, sendo refém das circunstâncias e das decisões dos outros. Se tu não queres escolher, certamente alguém te imporá o que fazer.

Quem não molda seu futuro é agente passivo da vida.

Poderias ser mais se... Maldito se. Se não fossem traumas, se não fosse teu medo de mudar, se não fosse o apego que tens pelo teu passado. “Se” não faz diferença nenhuma.

Quem vive de “se” se contenta com o “quase”, porque o que tu podes ser nunca vai ser resultado do Se tivesses feito alguma coisa a respeito. Quando te comprometes com algo, tu o fazes. Todos os dias, por menor que seja o progresso.

Pelo teu amanhã. Nem que o amanhã acabe amanhã, fizeste algo a respeito.

Somos resultado de ações, não de suposições.

sábado, 10 de agosto de 2024

DESMETROPOLIZAÇÃO

RUDOLF GENRO GESSINGER         

www.gaz.com.br/desmetropolizacao/

          

          No início para o meio do século passado, a metropolização – fenômeno contrário ao que dá o título desta crônica – impulsionou o êxodo rural conforme o Brasil se industrializava. A população de nosso país acabou por se tornar majoritariamente urbana e a maior diversidade de empregos que o fortalecimento das indústrias criou, direta e indiretamente, amontoou pessoas em volta das crescentes capitais brasileiras.

        A explosão demográfica entre os anos 1950 e 1970 acabou por prejudicar o urbanismo das capitais, pois houve crescimento desorganizadamente acelerado das cidades, muitas vezes sem o adequado planejamento, de forma que os limites entre dois municípios vizinhos acabaram não se tornando claros. O encontro de duas cidades em um único núcleo urbano se chama conurbação.

        Como consequência da conurbação, se formaram as regiões metropolitanas.  

        O último censo demográfico brasileiro, realizado no ano de 2022, registrou consideráveis reduções populacionais nas regiões metropolitanas de Porto Alegre, Rio de Janeiro e Salvador. Esta última região metropolitana teve decréscimo de quase 10% de seus moradores em relação à quantidade apurada censo demográfico de 2010.

        Mobilidade urbana, custo de moradia, segurança pública e qualidade de vida são os fatores mais clássicos que atraem as pessoas para viverem em municípios menores. Recentemente, a consagração do teletrabalho em muitas profissões alavancou o fenômeno da desmetropolização.

        No interior do Rio Grande do Sul, diversas cidades melhoraram visivelmente sua infraestrutura, com melhores hospitais e educação de qualidade, mas ainda falta emprego. Mesmo assim, os jovens ficam mais tempo, pois há opções de lazer, acesso a bens de consumo, seja pelo comércio local ou pela facilidade que se tornou comprar qualquer produto pela internet com frete grátis ou consideravelmente barato.

        Particularmente, eu entendo que viver no interior propicia a criação de vínculos mais profundos e duradouros, pois existe maior proximidade entre as pessoas. Em regra, te atendem com bom humor, te recebem muito bem em casa, se arranja tempo para conversar com algum amigo ou conhecido que cruzar por ti na rua e tudo se ajeita mais fácil na tranquilidade em que se espicham os dias.

Em suma, observo que quem vive no interior se organiza melhor, escuta mais e não vive esgotado pela rotina que as pessoas normalmente levam numa região metropolitana.

        Caso o leitor se interesse em se aprofundar no assunto, recomendo a obra de Milton Santos chamada A Urbanização Brasileira. É interessante e fácil de ler.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

DUZENTOS ANOS DE ORGULHO

RUDOLF GENRO GESSINGER

    "A celebração do bicentenário é uma homenagem e um agradecimento aos nossos antepassados alemães”. Assim disse em uma entrevista para a Vale TV o presidente da Comissão Oficial do Bicentenário da Imigração Alemã, Rafael Koerig Gessinger, meu irmão.

        Não se trata somente de um momento de festividade pela chegada de uma data marcante no aspecto temporal, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul fomenta e protege um patrimônio cultural que ajudou a moldar a identidade do povo gaúcho ao longo desses duzentos anos.

        Em 25 de julho de 1824, as 39 pessoas falantes da língua alemã – na época, a Alemanha ainda não era Estado unificado – chegaram num remoto território gaúcho com esperança e muito trabalho para construir uma vida melhor.

Exatamente pela necessidade de abrir picadas nos matos do vale do Rio Pardo para construção das moradias, lavouras, igrejas e escolas, foi chamado de Alt Pikade, de Picada Velha e depois de Picada de Santa Cruz o hoje pujante município de Santa Cruz do Sul.

Como ensina Martin Dreher, a Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, em 1824 possuía uma única escola mantida a partir dos cofres públicos: o Colégio Militar de Porto Alegre. Honrando a fibra característica do povo alemão, os imigrantes que aqui chegaram contribuíram para o avanço da alfabetização no Rio Grande do Sul, criando em cada picada novas escolas, com grande contribuição da Igreja Luterana.

Em outros estados do Brasil, a imigração alemã foi marcante no Espírito Santo e mais significativamente contribuiu para formação de Santa Catarina, que conta com cidades em que a culinária, a música, a arquitetura e as celebrações alemãs são atrações turísticas relevantes, casos dos municípios de Blumenau e Pomerode, por exemplo. 

Também é notável e riquíssimo em termos culturais como o regionalismo alemão também se posicionou em diferentes lugares do Rio Grande do Sul.

Panambi, que até hoje tem programas de rádio transmitidos no idioma alemão, teve seu território povoado por imigrantes vindos de Württemberg, no Alto Reno. Em São Lourenço do Sul se tende a falar o idioma alemão no dialeto pomerano. Outras diferenças linguísticas se notam entre as regiões do Vale do Rio dos Sinos, de Igrejinha, de Lajeado e assim por diante.

        Para quem se interessar mais pelo trabalho que a Comissão do Bicentenário da Imigração Alemã e suas subcomissões têm desenvolvido, o site da Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul possui uma página que contém um manancial de conteúdo, cujo link colaciono a seguir: https://cultura.rs.gov.br/noticias-6581cd59ef762.

quinta-feira, 11 de julho de 2024

FUTEBOL EM DECLÍNIO

 

RUDOLF GENRO GESSINGER


Vocês têm visto como está baixo o nível do futebol na Eurocopa? Até o fechamento desta coluna (antes das semifinais), os quatro artilheiros possuem três gols cada, sendo que foram marcados dez gols contra em toda competição. São jogos sem muitas alternativas de jogadas de ataque e de defesas exageradamente abertas e esculhambadas, como a da Itália.

Não que a Copa América esteja enchendo os olhos, afinal historicamente não é o que acontece. Nos jogos que terminaram empatados e foram para os tiros livres da marca do pênalti, foi entregue alguma emoção ao espectador. Na disputa, os goleiros perdedores também brilharam defendendo cobranças.

Na Eurocopa, a prorrogação era só mais 30 minutos de suplício para quem jogava e para quem assistia.  

Esboçada a caricatura, pintemos o fundo do quadro.

O futebol, enquanto produto, deve(ria) ter como foco entregar entretenimento para seu consumidor. Logicamente é importante vencer, mas não sacrificando o espetáculo.

Não ignoro que o futebol se tornou mais físico que nos anos 1980, por exemplo, época marcada por times técnicos como a inesquecível Seleção Brasileira de 1982. Para dar espaço a uma musculatura presa para aguentar a carga de jogos, saíram o drible, a técnica e o tempo de treinamento para cobrar uma falta com perfeição.

Os goleiros são os únicos jogadores com prerrogativa de serem atendidos pelos médicos em campo, interrompendo a sequência da partida. Não é concebível, entretanto, que a cada grande defesa o goleiro se contorça no gramado e chame atendimento médico para “ganhar” tempo.

Circunstancialmente, é uma estratégia para esfriar o ímpeto do adversário, mas usada com muita frequência, só torna o jogo chato, picotado. Nenhum acréscimo devolve a naturalidade do jogo, que os goleiros consomem fazendo cera.

Aliás, será que não poderíamos repensar a extensão do jogo? E se fossem dois tempos de trinta minutos ou três de vinte? Seria condizente com uma época em que aceleramos tudo no mínimo para a velocidade 1.5.

No basquete dá certo jogar em tempos curtos.

A essência popular do futebol, que germinou e fez florescer o esporte, está há tempo minguando.

A começar pelos campos: é preciso uma organização semiprofissional para juntar vinte e duas pessoas para jogar futebol de campo, em qualquer horário que seja. Mesmo no Society é uma luta para fechar dois times, fora que não existem quadras a menos de 10 reais por jogador.

Sem a grama sintética que arrebenta joelhos e tornozelos, beach tennis e padel, por exemplo, têm se mostrado mais atrativos para quem quer praticar um esporte no tempo livre.  

 

sexta-feira, 28 de junho de 2024

SABER DESCANSAR

Saber descansar (gaz.com.br)

RUDOLF GENRO GESSINGER


“Tempo é dinheiro” é brocardo do senso comum do qual dificilmente alguém irá discordar. No mesmo sentido, ser produtivo é enxergado como uma qualidade positiva para maioria das pessoas.

Empreender, manter aparência saudável, viajar, aparecer... quem não quer tudo isso?

Escolhas e renúncias têm seus preços; o que nos faz bem tem valor. Saber descansar é fundamental para melhor eleger o caminho a seguir, porque clareia a visão sobre o contexto de vida.

No sono, nosso cérebro passa por um processo semelhante à limpeza de disco de um computador. Informações menos relevantes são “apagadas” e se consolidam os dados importantes. Cuidados como o de higiene do sono podem nos tornar mais efetivos, aumentando a produtividade no tempo disponível para trabalhar.

Dois dias diferentes terminam: Num tu voltaste de uma festa; noutro, de um velório. O cansaço ao final desses dois dias é diferente, mas a necessidade de dormir é igual, porque te reinicia.

Botar em prática o descanso adequado é muito difícil.

Desligar-se dos estímulos do mundo parece errado. É como se estivéssemos perdendo tempo e, consequentemente, perdendo dinheiro.

Assim, saímos duma tela para a outra. Largamos o trabalho remoto para maratonar uma série, ou ouvir um podcast, ou derreter tempo no Instagram ou TikTok.

Chega uma notificação e interrompemos qualquer programação para ver o que é. A gente precisa saber o que está acontecendo: agora!

Nos finais de semana vamos dar uma volta no shopping para espairecer. Será que dá certo mesmo?

Nem bem ligados, nem desligados, nós, integrantes da sociedade do cansaço de Byung-Chul Han, ficamos que nem uma lâmpada piscante. Nem bem clareia, nem esfria. O que é certo é que a resistência está sendo gasta.

Atingir a meta, superar a meta, dobrar a meta. Prazos. Maioria das vezes, precisamos nos sacrificar.

Calma, às vezes é preciso simplesmente parar. Descansar, não se distrair. Deixar o tempo passar, não gastar o tempo.

Parece cada vez mais difícil. Controlar a ansiedade - mal do século e comadre da depressão – certamente ajuda a estar bem por mais tempo, exatamente por estar melhor descansado.

Além de ser o próprio empresário, saber procurar a própria paz; alinhar os treinos com boa alimentação e descanso ao invés de ir todos os dias para a academia; sentir a cultura de um lugar novo e ir aproveitando, não engessar as férias cumprindo um roteiro de pontos turísticos que podem nem ter sentido conhecer; lembrar pela tua visão, não por um monte de fotos.

Pode ser bem melhor assim.

Bom descanso e até daqui quinze dias!

quinta-feira, 30 de maio de 2024

ERA ASSIM MEU INVERNO

 RUDOLF GENRO GESSINGER


       Essas noites frias de garoa e de bastante vento, que riscam a boca do inverno, me atrasavam o sono quando eu era piá.

O barulho de alguma folha de zinco que levantasse um pouco me assustava. O poncho de carnal vermelho do meu pai me tapava junto com mais uma ou duas cobertas. Qualquer susto, era só se esconder embaixo dele que eu estaria protegido.

       Às vezes eu ouvia barulhos mais fortes de coisas caindo no zinco, como se fosse uma chuva grossa. Eram as bolinhas do cinamomo, que garantiam que o teto estava ali e inteiro.

       Eventualmente, eu mergulhava num sono sem escalas até o começo da manhã. Minha mãe já tinha feito fogo no fogão à lenha, gesto que, por si só, já esquentava o coração da casa.

       Seja ensopado ou carreteiro, a comida que ela faz no fogão à lenha sempre fica uma delícia incomparável!

       Do lado de fora das janelas, tinha um mundo diferente, pois molhado e embarrado, mas também seguro e muito divertido. Sentir o calor de dentro de casa, enxergar os cavalos e a lida acontecendo na mangueira me deixava fortalecido e animado para sair porta a fora.

       As marcas paralelas de pneus logo depois da porteira contavam que minha avó tinha saído para a cidade tarde da noite ou cedo da madrugada. O charme dela era tamanho que até nos seus rastros minha avó deixava alegria.

       De volta para almoçar, eu tinha que limpar as botas na grama ou no pano que tinha na soleira da porta. Entrar em casa embarrando o piso deixava minha mãe furiosa, mas tive que fazer isso algumas vezes por excesso de fome.

       Criei o hábito de ler bastante no inverno muito tempo depois, por isso minhas tardes eram espelhadas nas manhãs. Acompanhar o manejo do gado era minha forma de aprender, ajudar e brincar, tudo ao mesmo tempo.

       Antes do tombo da tarde, eu pegava um caniço e ia para a beira do açude pescar. Assistindo o sol ir embora para a Argentina, eu sentia a suprema majestade da natureza. Até hoje e para sempre, esse será meu grande momento de paz.

Meus pensamentos se emparelhavam e se expandiam igual às ondinhas que arrepiavam a água toda vez que a boia piscava com os peixes beliscando a isca.

“A hora de puxar não é quando correr a linha, mas quando tua cabeça mandar”. Assim ensinaram minha mãe e minha avó, para a pesca e para a vida.

O que eu trouxesse no samburá era o que menos me importava, mesmo porque meu organismo nunca me permitiu comer nada que viveu na água.

Não deixava de ser minha contribuição para as jantas do inverno. Os outros na estância ficavam felizes com os lambaris e jundiás que deixaram de nadar no açude para boiar na frigideira.

quinta-feira, 16 de maio de 2024

RECONSTRUÇÃO

 RUDOLF GENRO GESSINGER


   Os últimos cinco anos têm enrugado o couro de nós gaúchos. Foram dois anos de pandemia, dois anos de seca e agora uma enchente de dimensões estaduais sem precedentes que muda os rumos de 2024. Aliás, esse era o ano para a agricultura do Rio Grande do Sul desatolar, mas quem ainda tinha a soja “do tarde” ou arroz para colher perdeu o resto da lavoura.

      Essas perdas inerentes ao risco do negócio acabaram sendo insignificantes perto da devastação na vida de quem perdeu alguém ou perdeu tudo. A coragem dos voluntários e a solidariedade de quem doa o mínimo que seja têm unido nosso povo de uma maneira comovente e exemplar.

Corremos risco de ficar desabastecidos de água potável e por isso é fundamental poupar. 

Estamos vivendo o paradoxo da água: o donativo mais importante para os desabrigados é água, o mesmo elemento que invadiu suas casas e os forçou a estarem ali. Falta água encanada apesar de não parar de chover.

       Por enquanto, estamos sobrevivendo à enchente. Quando a catástrofe tiver números finais, começa a parte mais demorada e difícil que será a reconstrução de casas, de estradas e de vidas inteiras.

       Será um desafio que dependerá da união, do trabalho e da solidariedade do nosso povo.

A Alemanha ficou debulhada depois das guerras mundiais, mas se tornou potência em todos os sentidos depois de ter sido reconstruída pelo seu povo. Os imigrantes alemães, de quem descende maioria da população de Santa Cruz, abandonaram o mundo que conheciam levando fé e trabalho. Abrindo picada, construíram do zero um dos municípios mais imponentes do Rio Grande do Sul.

       Quanto ao Governo Federal, precisaremos de ajuda para criar empregos para toda a gente que precisa recomeçar a vida. Já passou da hora de ser menos burocrático e caro empregar formalmente um trabalhador. Ao mesmo tempo, precisa ser facilitado o acesso a crédito para quem quiser empreender.

       De uma forma ou de outra, é inadiável que respeitemos a força da Mãe Natureza. Se for necessário, deixe tudo para trás e saia de casa, pois o nível de um rio pode subir ligeiro.

Não faltam estudos para entendermos como viver sem agredir nosso planeta, que é nossa casa. As consequências das ações da humanidade não respeitam os limites territoriais que criamos.

Assim que conseguirmos nos recuperar, já precisaremos pensar em como ajudar os outros. Os problemas ambientais são comuns a todo Brasil, logo as soluções devem ser mais amplas que os problemas locais.      

Aliás, a região do Pantanal está enfrentando uma seca que pode atingir níveis críticos até o final do ano. Sabiam?

                

 

terça-feira, 7 de maio de 2024

OLHO NO PACHECO

 RUDOLF GENRO GESSINGER


        Rodrigo Otavio Soares Pacheco, 47 anos, é radicado em Minas Gerais, advogado e atual presidente do Senado. Cabe lembrar que é condição de elegibilidade para o cargo de senador a idade mínima de 35 anos, portanto Rodrigo Pacheco pode ser considerado jovem para seu mister.

       Autêntico gentleman, Rodrigo Pacheco lidera de maneira serena, busca não desagradar nem o governo federal, nem a oposição, apesar de ser assertivo em seus posicionamentos. Típico mineiro, está alcançando uma posição central na política nacional brasileira ao comer pelas beiradas.

Pacheco deixou bem claro: enquanto for presidente do Senado, não passará nenhum pedido de impeachment de Ministros. Essa é uma precaução salutar para nossa democracia, para a economia e reputação internacional do Brasil e para lembrar as pessoas de que deve existir harmonia e independência entre os poderes do Estado.

Outrora não se procurava tampar as panelas como faz Pacheco. O leitor deve lembrar de como foi pitoresca a votação do impeachment da então presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados. Gritarias, homenagens ridículas, acusações e longos discursos vazios podados pelo impassível Eduardo Cunha ao perguntar “como vota o Deputado?” foram a caricatura da bagaceirice que existe na política nacional.   

Mirando a candidatura para governador de Minas Gerais nas eleições de 2026, Pacheco está evitando indisposições e, de quebra, aumentando capital político. A PEC das Drogas, por exemplo, foi uma resposta cívica ao julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal.

Pacheco defende que os Poderes do Estado exerçam suas funções típicas: o Judiciário julga; quem legisla é o Legislativo. Botando cada um no seu lugar de maneira polida e ao abrigo da legalidade, o presidente do Senado se articula sem alimentar a polarização política, a qual desidrata qualquer debate e nos atrasa enquanto democracia.

Garanto que Rodrigo Pacheco seria um bom vizinho: é desse perfil que nossa política precisa. Bem cotado no quinto maior colégio eleitoral do país, Pacheco será nome forte ao governo do estado de Minas Gerais as Eleições de 2026 e certamente os futuros candidatos para Presidente da República se empurrarão para contar com seu apoio político.

Acredito, inclusive, que o futuro reserva um lugar para Rodrigo Pacheco no Palácio do Planalto. Tem muito chão até lá, mas sinto que terei o prazer em votar num homem que parece digno de ocupar a cadeira da Presidência da República e à altura do desafio de unir uma nação sem ser quem grita mais alto. 

quinta-feira, 18 de abril de 2024

LEALDADE

    RUDOLF GENRO GESSINGER

   Toda relação interpessoal verdadeira tem como esteio a lealdade. O mesmo vale para a relação entre animais domésticos ou deles para com seus tutores.

Tanto são dignos os bichinhos que o Canadá alterou sua legislação, poucos anos atrás, para considera-los “pessoas não humanas” ao invés de coisas, como entende o nosso Direito. A faxina vintenária do Código Civil, ainda em andamento, tende a posicionar a tutela jurídica dos animais de estimação perto ou junto da regulamentação sobre a(s) família(s). 

Vejo a lealdade brilhar no transparente olhar da Sissi, cadela Boxer tutelada pelos meus pais e por mim, em menor medida de tempo, mas em igual intensidade de carinho. Evidentemente, existe lealdade no mundo dos homens, ainda que estejam se distanciando pela instantaneidade da comunicação, pela liquidez das relações e por outros paradoxos de nosso tempo.

Mesmo assim, considero seguro afirmar que a racionalidade nos leva a julgar absolutamente tudo, ponderar sobre todo e qualquer assunto, em detrimento da lealdade, se necessário for. Sobem à cabeça as potenciais vantagens. Até que ponto as pessoas estão prontas para sacrificar seu bem-estar para a proteção do outro?

Uma pessoa leal pensa no melhor para o seu grupo antes de pleitear vaga num clube de vantagens. O futuro depende de sacrifícios, de tempo empreendido, de prioridades. Tudo que exige sacrifícios é extremamente difícil de ser executado com boa vontade por qualquer indivíduo. Apenas aqueles que olham para o futuro sacrificam algo no presente.

O presente é uma dádiva para o teu futuro: pode enxergar assim! E como é triste alguém que olha para o presente como seu próprio fim. A tristeza do imediatismo corrompe a lealdade, pois só se consegue ser leal aos seus próprios interesses momentâneos.

Ser leal muitas vezes se traduz na necessidade de ser rígido com pessoas da tua mais alta estima. Ralhar teu cachorro para afastá-lo de um perigo oculto para ele. E passar a mão na cabeça de quem comete verdadeiros atentados contra o futuro não é uma prova de lealdade, mas de covardia.

Tomar decisões duras e agir em favor de algo melhor é encargo da lealdade. Parte de ser leal é aceitar o peso das tuas decisões. Pode ser triste aceitar que pessoas a quem foste leal simplesmente partam por não suportarem o sacrifício por um futuro melhor. É esse o preço.

Finalizo esse humilde texto agradecendo à lealdade de Alex Kunrath - santa-cruzense de coração - que, há quase dez anos, cultiva comigo uma amizade de reflexões, comemorações e frieza para planejar decisões difíceis.

quinta-feira, 21 de março de 2024

DIREITO DE NASCER?

 

RUDOLF GENRO GESSINGER

https://www.gaz.com.br/direito-de-nascer


          “Mãe, que me tens no ventre,

          Dá-me o direito de nascer

          Pai, quando eu nascer,

          Dá-me o direito de viver”

          Eu mesmo arredondei para o Português Brasileiro esse trecho de uma música cantada pela caboverdiana Cesária Évora. Fica clara a posição dela em relação ao aborto, tema que chacoalhou noticiários e redes sociais no último Dia Internacional da Mulher.

          Para quem não acompanhou, a França se tornou o primeiro país a consagrar constitucionalmente o direito da mulher em se submeter ao aborto voluntariamente até a 14ª semana de gestação, justamente no dia 8 de março. Já existia lei no mesmo sentido desde 1975, mas a elevação de status da norma para o âmbito constitucional a reveste de um respaldo máximo por parte do Estado francês.

Historicamente acostumado a decisões revolucionárias, boa parte do povo francês aplaudiu quando a notícia apareceu, em diversos idiomas, projetada na Torre Eiffel, evento que foi comemorado como conquista das mulheres. Aliás, a finada Cesária Évora residiu em Paris.

 O presidente da França, inclusive, pretende que a emenda constitucional também seja incluída na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, para que o direito fundamental ao aborto possa ser constitucionalizado por todos os países membros do bloco. 

O fundamento jurídico do direito ao aborto na França é razoável: a mulher tem o direito de livremente dispor dos seus nutrientes corporais, podendo interromper uma gravidez indesejada se assim quiser. Claramente, lá se adota a teoria natalista da personalidade civil, ou seja, um indivíduo só é sujeito de direitos depois de nascer com vida. Por outro lado, a teoria concepcionista ensina que o nascituro (embrião) tem certos direitos de personalidade protegidos pelo Estado, tais como nome, imagem e sepultura, caso nasça morto. Menciono, por fim, que existe uma terceira teoria da personalidade civil, aplicada no Direito Espanhol, mas a considero bizarra e não merecedora de aprofundamento nesse espaço.

No nosso Direito, o aborto só é legalmente possível caso a gravidez seja resultado de violência sexual ou represente perigo de vida para a gestante. Brasil afora, existem legislações municipais esdrúxulas (e formalmente inconstitucionais), que “possibilitam” à gestante ouvir os batimentos cardíacos do feto antes da realização de aborto autorizado. Perdeu-se a oportunidade de pedir para que Augusto dos Anjos descrevesse poeticamente essa situação constrangedora.

Para terminar a polêmica no Brasil, como foi feito na França, poderíamos fazer constar na Constituição da República que o feto tem o direito de nascer, salvo nas exceções previstas na legislação, ou que a gestante tem o direito de escolher se leva adiante ou interrompe uma gravidez anterior ao 14º mês de gestação.

 De uma forma ou de outra, parabéns a todas pelo Dia Internacional da Mulher!


ALEGRIA

 

           RUDOLF GENRO GESSINGER

        https://www.gaz.com.br/alegria


                No próximo domingo, completo 28 anos de idade.

          No meu aniversário me sinto tanto sonhador quanto nostálgico; vaqueano em algumas coisas, cru em outras. Estou convencido de que uma vida sem sonhos não tem valor, nem cor, nem amor por si própria.

               Fico feliz em todo 10 de março por ser o réveillon em que quem é meu comemora junto comigo. Correm os anos e sempre os mesmos se sobressaem para me oferecer consolo, conselhos e carinho nos meus maus momentos: faço questão da presença deles quando organizo alguma comemoração.

               Tem pessoas que nunca esquecem de me mandar parabéns e essas me surpreendem a cada ano com o carinho que demonstram.

               Sempre me lembro também da alegria de ligações que não chegam mais, de gente querida que já se foi. Era um evento no meu dia quando a tia Estelinha ligava para me dar parabéns; curiosamente, ela detestava o próprio aniversário.

               Considero fundamental para o desenvolvimento pessoal e social das crianças as festinhas com o máximo de amiguinhos possível, balões, bolo, doces e refrigerantes (sei que se deve evitar o excesso de açúcares independente da idade, mas os aniversariantes merecem especial tolerância). Afinal, se dependesse das crianças, todos os outros dias do ano teriam aquela mesma alegria pela vida.

               Tive umas quantas festinhas de aniversário divertidas, mas confesso que mesmo o Rudolf criança sempre preferiu o calmo testemunho do tempo que presta quem tem mais idade.

               Quantas histórias me contou Nico Fagundes, bah!

               Meu pai, disparado, é quem mais gosta de contar os causos e vivências dele. Ajudei a compilar seus melhores textos num livro, inclusive. Seguido pego esse livro - intitulado Trilhas, Rumos e Enroscos - e leio numa sentada.

              Recentemente, li de cabo a rabo o livro Causos e Patacoadas do meu amigo e ídolo Nenito Sarturi, num voo entre Rio de Janeiro e Porto Alegre. Recomendo a leitura dessa obra mesmo para quem não é familiarizado com as expressões e tradições campeiras.

               Por todas essas razões, resolvi que meu aniversário desse ano vai ser um churrasco pro "velharedo", composto de amigos mais velhos e parentes. Eu mesmo vou assar e servir a carne para o pessoal, como aprendi frequentando as casas das famílias de meus melhores amigos em Santiago, capital da qualidade de vida.

               Em volta das quantas histórias que vou conhecer ou relembrar, vai pairar a alegria de ainda ter junto de mim meu "velharedo" e de perceber que a história de uma vida é a casa que a gente constrói com muitos tijolos emprestados pelos outros.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

PREVALECE A LIBERDADE

Rudolf Genro Gessinger    

Advogado e Produtor Rural 

https://www.gaz.com.br/prevalece-a-liberdade/


O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu o ano forense fixando a seguinte tese: “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.642, II do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”. Consagrou-se uma ideia que há tempos era defendida pelos estudiosos do assunto. 

De antemão, peço perdão aos colegas operadores do Direito por eventual simplificação excessiva do conhecimento técnico que baseia o raciocínio que vou desenvolver. Acredito que seja fundamental saber transmitir o Direito para fora de nosso círculo.     

Traduzindo para o leitor não acostumado ao rebuscado linguajar jurídico: quem tiver mais de 70 anos de idade não fica mais obrigado a casar ou celebrar união estável num regime de bens em que o patrimônio permaneça exclusivamente seu. Ainda não é lei, mas o novo entendimento do STF passa a ter a mesma força.

A recém derrubada “blindagem” do regime de separação obrigatória de bens se justificava, em teoria, pela proteção da (futura) herança dos filhos contra casamentos por interesses econômico-patrimoniais. Vale lembrar que o Código Civil, lei que regula a vida das pessoas desde nascimento até depois da morte, foi pensado, em maioria dos seus institutos, na década de 1960, quando a expectativa de vida do brasileiro era, em média, de 52,5 anos. Atualmente, é de 77 anos, em média.

No meio do caminho, em 1988, foi promulgada uma nova Constituição da República. Nessa oportunidade, foram hasteadas as bandeiras da liberdade, da igualdade e, mais alto que todas, da dignidade da pessoa humana.

O STF, tribunal que existe para e por causa da Constituição, justificou nesses três valores que a autonomia de vontade da pessoa maior de 70 anos deve ser respeitada, podendo ela, por meio de escritura pública, optar por regime diverso da separação obrigatória de bens para seu casamento ou união estável. 

Nada mais coerente, afinal, pessoas maiores de 70 anos podem votar e ser votadas, abrir empresas, celebrar contratos, enfim, dar novos rumos às suas vidas e dispor livremente de seu patrimônio sem que sejam obrigadas a preservar eventual herança para seus descendentes. 

Digo mais, pessoas maiores de 70 anos podem ocupar o cargo de Ministro do STF, pois a idade para aposentadoria compulsória foi aumentada para 75 anos em 2015, com a aprovação da PEC da Bengala. 

Atualmente, temos um Ministro maior de 70 anos em nossa Suprema Corte: Luiz Fux. O paradoxo que havia é que Fux, no meu exemplo, era encarregado de julgar os processos mais importantes do país, em razão do seu nobre cargo. Em sua vida pessoal, entretanto, um critério objetivo impedia Fux de escolher qual regime de bens era melhor para seu casamento.    

O novo entendimento do STF ergue as cancelas da liberdade e consagra a autonomia da vontade das pessoas maiores de 70 anos.

Enquanto uma comissão de juristas debate a respeito da atualização do Código Civil, o STF cumpriu seu papel de guardião da Constituição da República ao suprimir uma barreira legal à liberdade de disposição patrimonial das pessoas maiores de 70 anos, que passam a não ser mais compelidas a casar ou celebrar união estável pelo regime da separação obrigatória de bens.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

NUMA SANGA




Rudolf Genro Gessinger

Advogado e Produtor Rural


Esse lugar começa num buraco no campo, quase no topo de um cerro, de onde brota a água mais pura que conheço. Inúmeras vertentes pequenas temperam a nascente que a mata ciliar protege e que, entre passo, remanso, lajeado e cachoeira, serpenteia quilômetro e tanto da Sanga que, quase no Itacurubi, entrega suas águas à Restinga de Santa Maria.

Remoto e intocado, a natureza borbulha no lugar para onde, de quando em quando, retorno para me banhar de paz.

Claro que os Bugios roncam alto para tentar espantar eu e a fogueira onde asso meu almoço, assim como as Mutucas se botam nas minhas canelas. Sempre protegi aquele paraíso, mas seus verdadeiros donos fazem questão de me lembrar que eu não sou uma das criaturas que pertencem àquele lugar.

Quem me dá boas-vindas são centenas de Lambaris que me beliscam por todo corpo e peleiam pelas lascas de carne e migalhas de pão que boiam pra lá de mim.

As folhas dos Pau-Ferros acariciam o vento com o verde mais lindo que existe, assim como várias outras árvores se torcem para vencer a gravidade firmando as barrancas com a maçaroca de suas raízes.

A Cigarra faz mais barulho no mormaço e a Gralha Picaça canta alto depois que termina a garoa.

Só o tombo da tarde me obriga a sair da água cristalina que é fonte de vida e espelho de luz. Na volta para a cidade, assisto o Sol fugindo para a Argentina.

Em pensamento e oração, peço ao Sol que, no seu retorno, leve para a Sanga o sereno final da minha saudade reiúna.