DEUS: SUBSTANTIVO MASCULINO
Franklin
Cunha
Por volta de 2300 anos a.C., o sumo sacerdote da Suméria compôs um hino em
honra a Deus chamado "Exaltação de Inanna". Além de ser o mais antigo
poema da História, ele é um canto de extraordinária força e paixão e além
disso, tem uma curiosa particularidade: tanto o sumo sacerdote como o deus eram
do sexo feminino.
No princípio dos tempos, quando a humanidade emergia da escuridão da
pré-história, todas as divindades tinham representação ginecomórfica,
obviamente refletindo a organização social da época onde a linhagem matrilinear
predominava. A explicação é de que o homem primitivo, ignorando a
relação entre o coito e a fecundação, diante do milagre da vida proporcionado
pela mulher, dominado por sentimentos ambíguos de admiração, temor e inveja,
atribuía poderes extraordinários à figura da mulher-mãe a qual, inclusive
presidia a fertilidade da terra e dos animais domésticos. Assim se
compreende o achado constante, no período neolítico, de representações de
mulheres grávidas em pinturas murais, terracotas e esculturas em osso.Alguns
historiadores afirmam que tais interpretações não passam de mitos. Porém
desde que o arqueólogo Sir Arthur Evans, descobridor da grande civilização
minoana de Creta, afirmou que as inúmeras figuras de deusas, representavam a
mesma "Grande Mãe" cuja veneração estendia-se por toda a Ásia
Menor e regiões mais distantes, os pesquisadores modernos vêm aceitando o
fato de que a "Grande Deusa-Mãe " estava presente em todas teogonias
primitivas. Eram idealizações criadas por sociedades pacíficas, não
competitivas, com relações de parceria e de não dominação entre os sexos.
No
entanto, alguns povos bárbaros e belicosos adotaram, com o tempo, deuses
machos, violentos e vingadores.No século II AC, por exemplo, hordas
indo-européias, nômades e adoradoras de tais divindades, conquistaram a Grécia
- naquele tempo povoada por veneradores de deusas-mães - mas não conseguiram
eliminar a influência cultural e religiosa do povo subjugado. As divindades
femininas embora desprezadas, continuaram a aparecer em todos os momentos da
história grega. Com o predomínio em nossa cultura da religião judáico-cristã,
as deusas desapareceram do cenário celeste e as mulheres foram deslocadas do
espaço público para o privado. O patriarcado e sua metáfora edipiana, a
falocracia, legitimaram a violência e o domínio de metade da humanidade sobre a
outra.
Os
dois tipos humanos básicos são o masculino e o feminino e o modo como se
estrutura o relacionamento entre homens e mulheres determina o arquétipo
comportamental nas relações humanas e este relacionamento dominador-dominado é
internalizado por crianças educadas em famílias e escolas tradicionalmente
patriarcais.
Agora,
novos ventos laicos e religiosos, parecem estar soprando e refletem
paradigmas alternativos de comportamento social. Por exemplo: o sínodo da
Igreja Anglicana, pressionado por organizações feministas, recentemente aprovou
um documento no qual decidiu suprimir da liturgia, qualquer referência a Deus como
um ser do sexo masculino. A opção foi defini-lo como um ser misto, entre homem
e mulher. Esse documento é sem dúvida uma conseqüência das novas funções
sociais ocupadas pelo sexo feminino, inclusive o de sacerdotisas nos ofícios
daquela instituição religiosa
inglesa.
A Igreja Católica por sua vez, tergiversando,pronunciou-se sobre essa matéria
dizendo que Deus é um espírito puro: nem homem, nem mulher. Talvez os teólogos
católicos romanos, enxergando mais longe do que os anglicanos, queiram evitar
futuras controvérsias diante da instigante questão a ser colocada pelas sempre
ativas organizações homossexuais: uma idéia de Deus à sua imagem e semelhança.