Na berlinda
by Ronai Rocha
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Não bastasse o assunto do fim do vestibular para colocar a Ufesm
na berlinda, tivemos, no final da semana, a divulgação da sentença, em primeira
instância, do processo da Operação
Rodin. E com ela, a condenação de alguns colegas nossos, a penas
diversas. Silvestre foi meu aluno, quando fui professor substituto e dei aulas
para o curso de Economia; trabalhei com Rubem Hoeher, quando fui pro-reitor;
convivi com Sarkis desde os tempos do movimento docente, nos anos
oitenta; Zé Fernandes foi meu colega de Centro e companheiro de discussões
memoráveis; Dario Trevisan foi nosso grande parceiro na introdução da Filosofia
no vestibular da Ufsm. Por aí vai. Luis Pelegrini era amigo por empréstimo, em
lidas no CCR. Faço essa memória e meu dou conta que tive momentos de coleguismo
com todos eles, as vezes em lados diferentes de posições e opiniões sobre temas
e políticas universitárias, as vezes do mesmo lado da trincheira, como na
parceria com o Professor Dario. Li, por dever de consciência, os livros que
foram escritos sobre o episódio pelo Professor Sarkis e pelo José Fernandes.
Procurei me informar o mais que pude. Mas não temos acesso, os mortais comuns,
ao processo, às acusações. Só nos resta, então, contrastar a dureza das
sentenças com esses afetos simples do cotidiano da universidade.
Um amigo muito caro me chamou de filósofo, faz alguns anos, sem
que isso fosse uma ironia. Isso faz muito tempo e foi ali que compreendi quando
é que a gente, mero professor, pode, com sorte, virar filósofo. É quando alguém
nos chama assim sem nenhuma ponta de ironia. E depois desse dia temos, com
sorte, um compromisso pessoal, de fazer justiça ao qualificativo. Assim, tendo
a ser meio filósofo-cético nessa hora. Penso, por exemplo, no caso do Professor
Dario. Eu posso até concordar com alguns de seus críticos de época que ele
levava a paixão pela Coperves a um nível pessoal e quase soberbo. Mas foi
exatamente o fato de perceber nele uma dedicação quase obsessiva pelo que fazia
na Coperves que me faz exercer, até hoje, um certo ceticismo em relação ao seu
enquadramento no processo Rodin. Dario foi pura dedicação e profissionalismo no
processo de incorporação da disciplina de Filosofia no finado vestibular da
UFSM. E o trato com ele, nesse e noutros temas, não me habilita a vê-lo como alguém
que deve ficar em regime fechado por mais de vinte anos.
O que eu estou me
preparando para dizer é algo assim; eu gostaria de me reservar o direito de
fazer juízo sobre alguns dos meus colegas somente depois que eu pudesse ler as
cincoenta e seis mil folhas do processo. Eu sei que as coisas não funcionam
assim, mesmo nas democracias. Não poderei ler o processo, nunca, acho, porque
ele corre em "segredo de justiça"? Não entendo bem isso. Terei que
esperar cincoenta anos para poder ler "o processo"? Mas, sendo um
sexagenário, nada feito, então, não terei essa chance. Prefiro então exercer um
ceticismo democrático, a saber, aceitar o processo como um todo, com os
direitos de apelos a novas instâncias e tudo o mais, mas com essa ponta de
duvida saudável. O que eu considero nessa hora é que apenas uma pessoa, o juiz
federal, formou um juízo sobre uma massa de textos e documentos que os mortais
como eu desconhecem; que outros juízes possam dar ser juízo é o mínimo que as
regras do jogo de uma sociedade democrática deve permitir. Assim, o direito de
apelar em liberdade não é apenas o exercício de "jus esperneandi",
como se diz, mas uma regra básica para o lastreamento das relações humanas.