Sentindo-me honrado
pela parte que me toca da dedicatória desta postagem, me animo em dar minha
contribuição ao tema da indumentaria, i.e., meter minha colher. Desta vez
falando sério.
Passei quase toda minha
infância no centro da cidade, a cidade sendo Pelotas, não quer dizer grande
coisa. Meu dia de sorte se dava quando saía mais cedo do colégio, ou o leiteiro
atrasava o reparte, e podia pegar carona na charrete até em casa. Ajudava com
os litros de vidro e os engradados de arame soldado e, assim, podia conduzir, à
passo, depois de dobrada a esquina até o meio da quadra onde uma pontezinha
atravessava o canalete da rua General Argollo.
Naquilo que hoje se localiza
pouco mais de um quilômetro da casa em que morávamos, e que à época pareciam
muitos quilômetros, onde hoje é território de casas modernas da gente fina
pelotense, terminei minha infância pastoreando vacas leiteiras de uma família
de amigos, pequenos tambeiros. Nos amplos terrenos baldios, correteava num
petiço colorado chamado Charuto, atacando as vacas pra não atravessarem as
ruas.
Ainda tínhamos tios e muitos
primos morando no interior de Canguçu, origem da vertente feminina da família e
visitá-los envolvia preparação e demandava férias, porém ali, aprendi a lidar
com bois mansos na carreta, a importância da cultura do fumo na economia
familiar - me ensinaram como fazer o fumo em corda, torcer, enrolar, melar...
também me ensinaram a fumar, quase adulto que era aos 10 anos. Lá também
aprendi alguma coisa sobre trançar couros, domar potros, matar pra comer, viver
feliz com quase nada.
Adolescente, já não via mais
gaúchos nas ruas do centro, não via mais leite em litro ou leiteiro, nem
padeiro, nem carroças de limpeza urbana, cavalos e charretes só dos verdureiros
na feira semanal ou dos carroceiros de frete. Naqueles dias ninguém remexia o
lixo alheio, isso que hoje se chama reciclagem - a não ser por um misto de
miséria e enfermidade mental. Crianças não dirigiam cavalos magros, em
charretes altas de papelão, no meio do trânsito da hora do rush.
Logo foi o momento de ser
pioneiro, foi o tempo de fugir da alienação cultural, foi a hora de resgatar
valores que desapareciam. Todavia, vestir bombacha na cidade era motivar piadas
e chacotas - "Onde deixou o cavalo, seu?"... "Na casa da sua respeitável
genitora!"
Fui soldado da primeira hora,
lutei [literalmente inclusive] para o verdadeiro tradicionalismo ressurgir das
cinzas dos "35 CTG" [que não é mais antigo do que a congênere] e
"União Gaúcha João Simões Lopes Neto". Hora de tirar as decisões das
mãos dos eternos guardiães estabelecendo a nova corrente do nativismo.
Havemos de creditar na conta
da RBS o lançamento e divulgação do Long Play chamado "Payador, Pampa e
Guitarra" - Jayme Caetano Braun e Noel Guarany [amigos pessoais do nosso
confrade Ivanhoé], que soou como clarinada nos ouvidos povoeiros de gaúchos
adormecidos, e vieram as Califórnias da Canção, e vieram as novas agremiações,
e sobreveio a utilização política e o desvirtuar do patrimônio cultural e a
Tchê Music. E a piada evoluiu - "Sabe qual é o menor circo do mundo, seu?
É a bombacha, cabe só um palhaço dentro!"
Bueno, me afastei e fui fazer
pela vida. Passei mais de 20 anos sem vestir bombacha e calçar botas - por
conta de um compromisso pessoal, uma "promessa" no reflexivo, de mim
para comigo - e só voltei a envergar "pilchas" quando, recentemente,
adquiri as primeiras duas éguas desta fase pós-urbana da minha vida.
Naquela longínqua viagem ao
Congresso Tradicionalista que já comentei aqui, uma senhora e suas crianças
caminhavam pela estrada, numa daquelas grotas do interior de Piratini, e foram
alcançadas pela coluna de cavalarianos, o guri dizia pra mãe - "Olha os gaúcho
mãe, olha os gaúcho!" e a guria mais velha, de braços dados, bem apertada
contra a mãe falava baixo - "É aquele homem da televisão, aquele ali
ó..." e espichava o beiço no rumo do Antônio Augusto.
Gaúchos e gaúchas são de
todas as querências! Qualquer que seja a pilcha, o que nos identifica é o terroir.
Fraternal abraço ...
Ivan