Domingo na estância. A família viajando. Dei folga para a
peonada. Comigo ficou só o peão caseiro. Sem nada o que fazer,
decido tomar um banho na sanga, que serpenteia por entre o
mato. Fico em pelo e me sento num pocinho, para estupor dos
jacus e martim-pescadores.
Sou mesmo um ser estranho. Não tenho penas, não sei voar,
minha pele é fina e dá passo a qualquer espinho, preciso de vestes
no inverno, alimento-me mais do que o necessário, meus filhotes
tem de esperar até os 18 anos para se sustentarem - e olhe lá!
Minha mulher vai ao Hospital para parir e ainda lhe dão um talho
na barriga, como se gravidez fosse doença.
Pensei: vou tentar ser um bicho, voltarei descalço. Meus
pés sangraram após dez metros. Seriemas, anus, emas, cobras,
lagartos, todos se riam de mim e de minhas limitações. Pedi-lhes
desculpas: realmente eu não passava de um estranho no paraíso,
pois pertencia à raça daqueles que só pensam em destruir a
Natureza.
Olhei para o céu e ví o Sol, que me confidenciou:
- antes que eu me consuma na explosão final, vocês
conseguirão destruir o último planeta vivo do Universo.
Não conseguindo sustentar o olhar do Sol, já com as córneas
em chamas, ainda balbuciei:
- quem sabe ainda aprendemos com os bichos...
Quando acharam meu corpo, espantaram as aves que me
velavam.