Salvo engano era 1960.Meus contemporâneos Telmo Kirst ( prefeito eleito de S. Cruz) e
André Jungbluth( Grupo Gazeta do Sul) hão de se lembrar. Nossa turma do Liceu São Luiz concluíra o
então Curso Ginasial. Faríamos uma viagem de formatura. Destino: Uruguaiana.
Da Estação Ferroviária de Santa Cruz fomos de “ Carro Motor”
( um ônibus sobre trilhos) até Ramiz Galvão. De lá pegamos outro trem até
Santa Maria. Lá chegados, ficamos no mesmo vagão e após algumas manobras da
locomotiva, com sopapos e solavancos, depois de longa espera, rumamos para
Uruguaiana.
Até Santa Maria eu já tinha ido, mas para oeste de lá tudo
me era desconhecido.
Nunca me olvidarei da forte impressão que os tipos
físicos dos passageiros dos diversos vagões me causaram. Pessoas de
cabelo bem preto, tez morena, a maioria dos homens de bombachas e botas. Aquela
gente era muito parecida com aqueles estudantes internos do São Luiz que
provinham de Rio Pardo e Encruzilhada do Sul.
Passávamos livremente de um vagão para outro. Havia um vagão
restaurante. O cozinheiro fritava bifes com ovos num fogareiro de
querosene daqueles que tinha uma espécie de pistão no lado. Tenho nas minhas
narinas ainda o cheiro daquele vagão: uma mistura de querosene com banha
fervente. Homens bebiam uma cerveja de marca estranha: Gazapina, que parece que
era fabricada em Livramento.
Num dos vagões, que era de 2ª. Classe pois os bancos eram de
madeira, um senhor tocava acordeon enquanto mulheres e crianças cochilavam.
Após longa viagem chegamos a Uruguaiana. Hospedamo-nos nos
dormitórios do Colégio Marista Sant’Anna ( parece que esse era o nome). Esse
colégio situava-se a umas quatro quadras do Rio Uruguai. Me recordo bem que
tomamos banho quase debaixo da ponte que leva a Paso de los Libres. Enquanto
nos divertíamos na água, olhávamos com ansiedade para o outro lado, na ânsia de
conhecer a Argentina.
Foi enorme minha surpresa, pois ao chegarmos na cidade
argentina, ela parecia uma daquelas fotos de 1930 em preto e branco. Casas sem
pintura, quase invadindo a calçada, nenhum jardim, cachorros correndo pelas
ruas sem calçamento. Mas igual nos divertimos comprando recuerdos para
provarmos aos nossos pais e amigos que tínhamos ido à Argentina. Para minha mãe
comprei um perfume que, quando ela o abriu, quase teve um desmaio,
já podem imaginar o por que.
Uns dias depois fomos visitar uma fazenda, cujos
proprietários eram integrantes da família Jacques.
Maravilhei-me com a quantidade de gado e cavalos. Também me
impressionei com a solitude daqueles campos e como uma família podia ser dona
de tantos hectares. Claro que eu tinha como base as colônias da região de
Santa Cruz.
Chegou o dia de voltar.
E aqui quero tentar descrever cenas que nunca mais se
apagaram da minha memória e talvez tenham sido concorrentes dos motivos que me
fizeram adquirir uma propriedade na região pampeira ( nota: moro em P. alegre,
mas nossa propriedade rural de cerca de 2.500 hectares situa-se em
Unistalda, na região de Santiago). O trem sulcava aquele mar verde que é o
bioma pampa gaúcho, era verão , lua cheia. Noite clara, portanto. Fui até o
último vagão, abri a porta e me sentei no degrau, contemplando o céu “ bordado
de estrelas” e aqueles campos planos, com pontas de gado e ovelhas aqui e
ali, passando como num filme, por horas e horas, sem que se visse uma só casa
ou vila ou cidade. No ar um perfume de alfazema, trazido pelo cálido vento
norte das macegas de massanilha.
Pensei: um dia eu quero morar no pampa, um dia quero ter um
pedaço de campo, nem que seja pequeno.
Anos mais tarde assumi como juiz de direito em
Arroio do Meio e logo fui promovido. Convidaram-me para assumir em
Santiago. Aceitei na hora.
Ali me inteirei melhor das coisas do campo. Fiquei dois anos
e fui embora de novo promovido, mas carregando comigo meu sonho.
Vinte e cinco anos depois conheci em P. Alegre uma
moça de Santiago, de família de fazendeiros.
Mas aí já é outra história...