segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

POLÊMICA - RELIGIÕES, INGENUIDADES, MITOS. um instigante escrito de Paulo Rudi Schneider


Não é por acaso que a comunidade judaica da Holanda expulsou Spinoza da sinagoga, pois para ele é Deus sive natura, ou seja, propõe a antiga concepção de Deus dos estóicos. O pensamento é pequena faisca da totalidade espiritual divina e o corpo um pequeno fragmento da totalidade material divina: tudo pode ser chamado de natureza. A manifestação de Deus que nos é revelada e podemos conhecer é precisamente pensamento e matéria, mas são possíveis inúmeras outras manifestações para nós desconhecidas e inefáveis. A Biblia é espécie de conto da carochinha necessária para mentes infantilizadas e ávidas pelo disparate do mito e da fabulação. Pessoa que se preza é o homem racional consciente da sua parceria com o divino. O mal é apenas o resultado de uma opinião de acordo com um ponto de vista estreito, pois quanto mais se reflete e medita interpretativamente sobre o mesmo, ele deixa de representar a negatividade do bem. No infinito não há mal que se sustente. Bem, Spinoza é cartesiano, mas deduz toda a sua atividade filosófica a partir do suposto da totalidade que é Deus sive natura, o que quer dizer que Deus é a imediatidade da natureza em sua revelação constante para nós compreensível em termos de pensamento e matéria. O Deus pessoal de judeus e cristãos é pura antropomorfia metafísica e ilegítima, comparável a qualquer fantasmagoria alucinada de indígenas e em geral povos primitivos, caso não se confessar de modo público e notório de que é um ajuntamento de interessantes alegorias, simbolos e mitos significativos e edificantes. A crença objetiva nisso é coisa de desistentes da sua própria capacidade racional.
Dados gerais:
- Todo o Idealismo e Romantismo alemão leu Spinoza e por ele foi influenciado, apesar de que a sua leitura ter sido proibida em todos os principados. O pessoal lia escondido. O Fausto de Goethe não se entende sem Spinoza. Kant, Fichte, Hegel, Schelling, Goethe, Schiller, Lessing, Schlegel, Novalis, Hölderlin, Tolstoi, Dostoievski...(a lista é imensa) foram inoculados pelo virus spinozista, apesar de todas as proibições.
- A desvalorização da mítica bíblica enquanto positividade obscurantista foi também acentuada por Comte, tão considerado pelas legitimações da cultura científica e técnica que até hoje compartilhamos com entusiasmo. Os nossos ídolos na teologia nesse quesito foram todos desastrosos: o vaticano execrou Copérnico e Galileu, como sabemos, e Lutero considerava Copérnico mais um panaca debaixo do sol.
- Todos nós podemos ser caracterizados como Frankensteins espirituais pelas nossas atitudes ainda hoje: comungamos com a bruxaria da ciência, tecnologia, racionalização e objetificação da natureza e do pensamento na imediação dos nossos usos e costumes no cotidiano; chegando, porém, o domingo, vamos às igrejas em busca do imponderável, do milagre, da contraciência que é a fé e a graça.
- Na exegese bíblica há intérpretes estudiosos que identificam estoicismo (spinozismo) nas palavras de Jesus "Pai, perdoa-os, porque não sabem o que fazem", isto é, o exemplo do homem meditativo e de religiosidade (capaz de ligação relacional total) legítima não oferece o perdão como uma concessão piedosamente aviltante, mas compreende as razões dos atos dos outros desde a sua visão de infinito alcance. Vai dizer isso, porém, a quem se interessa apenas por sua plantação de alface.
- Spinoza é um dos grandes filósofos entre outros grandes pensadores, dos quais dependemos em nosso juízos quer queiramos ou não, pois já fazem parte das nossas determinações culturais. Para o nosso melhor conhecimento sobre o que nós mesmos somos é sempre necessário estudar os seus textos e, para isso, filosofar, ou seja, dar atenção à sabedoria onde quer que ela se apresente.
Feito o comercial em favor da Filosofia, expresso a minha admiração sobre o surgimento do assunto em torno de Spinoza. Tu não achas que a maioria dos nossos pastores é de uma ingenuidade atroz pelo fato de nem querer saber desse tipo de ensopado cultural? Sempre me chama a atenção o desinteresse agressivo dessa gente por qualquer leitura que pudesse elucidar a doutrina luterana para além do puro dogmatismo desconfiado e às vezes raivoso em sua suposta apologia. Enfim, comentários apresentados muito resumidamente.

Um abraço do
Paulo

PS: É muito importante os luteranos não dizerem besteira sobre Spinoza, pois parte dos textos dele já são editados no Brasil em português por um lado, e, por outro, a maioria dos grandes teólogos protestantes do mundo todo conhecem muito bem Spinoza. Seria um desastre cultural a gauchada luterana querer promover um fiasco contra Spinoza via internet. Além disso, tanto no AT como no NT encontramos duas concepções de Deus: a primeira, de um Deus separado, metafísico, além da sua obra, e a segunda, de um Deus como ABBA participante no coração de cada um. Como se sabe, o apóstolo Paulo oscilava entre os dois. ..., há que se ler com muito mais atenção a Bíblia toda, sem escamotear que uma boa parte da filosofia grega lá foi incorporada no NT pelo simples fato de que foi escrito na língua de Homero.