quinta-feira, 3 de março de 2022

A JOVEM MÃE, A SOLIDÃO E OS MOSQUITOS

 


Em São Leopoldo, o colégio São José, das irmãs franciscanas, decidiu lotear uma área que se transformou no Bairro São José.


Eu tinha uma casa lá.


Num dia de verão escaldante , estávamos, eu e meus filhos, jogando no nosso pátio. Eis que a bola foi para o terreno  vizinho.


 


Essa casa  estava alugada para um casal alemão. Parecia sempre fechada.


Saí pela calçada e apertei a campainha . Nada. Insisti. Até que surgiu uma moça muito jovem, loira, rosto muito vermelho, carinha de choro que vou te dizer.


Falei com ela em alemão e pedi licença para buscar a bola. 

- Was ist los? perguntei. ( o que há)


- kommen sie  herein, bitte, disse ela, me convidando para entrar.


Na sala havia um berço com um  gordinho e rosado bebê, só de fraldas, olhinhos azuis,todo picado de mosquitos .Um calor bárbaro. Ela abanando o bebê.Me disse que estava desesperada, não tinha nada para fazer, o marido passava o dia fora, estava com saudade de seus pais e  queria que eu lhe desse o número do telefone de um taxista de confiança. Queria ir ao aeroporto e voltar para a Alemanha.


Falei para ela se acalmar,estava evidente sua depressão. Não sabendo o que fazer, peguei a bola e lhe dei tchau.


Fiquei com pena daquela guria que poderia ser minha filha. Suas lágrimas me cortaram o coração.  Mas é claro que não alonguei a conversa, mesmo porque poderia ser mal interpretado.


Os dias se seguiram.


Uma bela manhã chamei um táxi  para me levar ao aeroporto em P. Alegre.


 Lá pelas tantas o motorista me falou:


- semana passada eu carreguei sua vizinha e o nenê para o aeroporto. Estranhei que ela não tinha  mala. Só a criança e uma mochilinha. Balbuciou que tinha muita pressa, ia pegar um avião para o Rio de Janeiro. 

Na volta da viagem me informei.


A moça, cansada de passar o dia sozinha, simplesmente deixou tudo para trás, menos o nenê , e voltou para sua terra.


Aí pensei: e nossos antepassados? Seu bilhete era sem volta.


Quantos e quantas  terão chorado de saudade de sua Heimat?


Naqueles tempos a  única solução era espantar os mosquitos, secar as lágrimas, ter fé, rezar e trabalhar. E , como se verificou, acabaram , em grande maioria, vencendo e se adaptando.


Por sinal, quando as terras ficaram escassas na região de  Santa Cruz, muitos colonos, inclusive parentes de minha mãe, partiram para o oeste de Santa Catarina.  Quando vinham para nos visitar, muito esporadicamente, contavam de suas dificuldades.

Contei isso aos meus parentes distantes na Alemanha em Zeltingen Rachtig , que muito se admiraram.



Quanto à moça, a culpa não foi dos mosquitos nem do calor. Foi da solidão.