A APNEIA E FREUD
As coisas estão voltando ao estado normal no governo Bolsonaro. Um governo, no seu todo, não tem como ser melhor do que os seus componentes. O governo, então, se revela como de fato ele é e nunca deixou de ser - sem bússola, sem rumo, com os seus ministros e porta-vozes batendo boca e batendo cabeça, sem saber direito para que lado ir, propondo soluções ajambradas e de vida curta, logo desmentidas e abandonadas.
A Bolsa está em queda, o dólar não para de subir, o mercado está à beira de um ataque de nervos, e ninguém tem a menor ideia de como será a retomada do crescimento, o que será o Brasil no pós-pandemia.
O titular do Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é um notório inimigo da preservação ambiental. Além de incrementar medidas que tendem a fragilizar e anular normas de proteção ambiental, Salles é atrevido e bocudo – chamou o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, de "Maria Fofoca".
O ministro da Economia, Paulo Guedes, cada vez mais perdido e sem noção, acusou o colega Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, de ser financiado pelo lobby da poderosíssima Febraban-Federação Brasileira de Bancos, para o fim de furar o teto de gastos e promover a gastança oficial. Na saia justa, Bolsonaro apoiou Marinho – mau sinal para o antigo superministro.
O ex-porta-voz da Presidência, General Rêgo Barros, que tem uma cara boa, depois de meses de fritura em fogo baixo, se despediu do governo com um artigo no Correio Brasiliense, uma dura crítica ao governo Bolsonaro (sem citá-lo). No texto ele diz que o "poder corrompe, inebria e destrói" e que as promessas de campanha são esquecidas, critica os sabujos (que existem em todos os governos) e adverte em latim: memento mori (lembre-se de que você vai morrer).
E Bolsonaro? Bolsonaro está em campanha, uma vez que, nas palavras de um editorial do jornal O Estado de São Paulo, ele "não perde seu tempo governando, coisa que, de resto, seria incapaz de fazer".
Em certo dia postou uma foto tomando café da manhã com a filha Laura. Um gaiato qualquer mandou uma mensagem no facebook: "café da manhã com cloroquina!". E a resposta imediata: "Alguém já te mandou tomar Caracu hoje?".
No Maranhão, em meio ao povaréu, bebeu um copo de guaraná Jesus, uma bebida cor-de-rosa, típica da região. A piada pronta presidencial: "Virei boiola, virei maranhense".
Em vídeo, mostrando o feliz encontro com o bem-mandado general e ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, após ter ordenado o cancelamento do convênio assinado com o Instituto Butantã, para compra de 46 milhões de vacinas contra a Covid-19, e depois de troca de afagos e elogios, ele gracejou, com a sutileza habitual: "Está pintando um clima!"
Bolsonaro mudou o estilo, mas volta e meia ele derrapa. Talvez por causa da apneia. Um exame recente mostrou que ele tem 89 alterações de sono por hora: um recorde. Um médico lhe fez a pergunta que aparenta ter uma ponta de ironia: "como é que o senhor consegue raciocinar?". Se não for a apneia, o apelo frequente à vulgaridade só pode ser explicado por Freud.