segunda-feira, 16 de novembro de 2020

ARTIGO DE FRANKLIN CUNHA

  

DE TEMPOS VERBAIS E ELEITORAIS

A passagem do homem de um estado natural para o cultural –ato principal de sua história – está intimamente entrelaçada  com a faculdade da fala e da sua posterior organização por meio da  semântica, da sintaxe e dos tempos verbais.  O homem primitivo que vivia da caça e da pesca -  no aqui e agora -provavelmente não possuía o tempo verbal para expressar e pensar o futuro. Com  a agricultura, foi obrigado a cogitar e se preocupar com as épocas de plantar e colher e dessas necessidades surgiu o tempo verbal  futuro . Na ausência da fala, a temporalidade humana era expressa somente pelo tempo verbal presente. Em todas as línguas  há verbos ou formas do discurso que indicam ação. George Steiner afirma que a capacidade do homem  de articular um tempo verbal futuro, sua faculdade  e necessidade de " sonhar à frente ", é um escândalo metafísico e lógico. Este é o poder da linguagem: existir  antes daquilo que designa. E na linguagem dos embates eleitorais, o tempo futuro  é muito mais enunciado   do que a sofisticação verbal do tempo  incondicional. "Farei, darei " todos os candidatos o empregam, " faria, daria  ", poucos. A credibilidade ingênua gerada pela falta de visão crítica dos fatos, faz com que eleitores acreditem em quem diz " farei " do que quem diz " faria ": o "farei " é afirmativo, assertivo  e o " faria " é dubitativo pois  implica em (in)condições inexistentes. Nas tiranias modernas, os tempos verbais, a semântica e o léxico são redefinidos  numa inversão deliberadamente grotesca do significado normal e corrente deles nas democracias . Na gramática da fala totalitária, as conjugações dos verbos ocorrem num presente irreal e num futuro utópico. Desfazer o passado  real, erradicar nomes, atos,  pensamentos dos mortos indesejados  é uma ação  caraterística do horror e do terror infundidos por certos autocratas primitivos e primários  eventualmente no poder. E que – inadvertidamente – são eleitos  pelo voto consensual embora,  possivelmente pensem como aquele escritor inglês do século 19 , precursor do nazismo que disse ser " a democracia um caos povoados de urnas ".

Franklin Cunha

Médico

Membro da Academia Rio-Grandense de Letras