terça-feira, 3 de dezembro de 2019

170 ANOS DE CULTURA ALEMÃ EM SANTA CRUZ DO SUL


170 anos, homenagem à cultura.Dra. Lissi Bender – integrante da comissão 170 anos.
Celebrar 170 anos da Imigração Alemã é também celebrar a fundação de Santa Cruz. Santa Cruz foi a primeira colônia totalmente planejada e executada pelo governo da então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. O governo de nosso Estado convidou, por meio de seus emissários, famílias de língua alemã, de regiões germânicas a se estabelecerem na recém fundadaKolonie Santa Cruz.
A Universidade de Santa Cruz do Sul se uniu às celebrações que ensejam honrar e festejar este começo.  Com músicas e cantos da cultura germânica, a orquestra e o coro da UNISC promoveram um concerto que tocou fundo a alma dos participantes, e deixou a alma dos descendentes dos imigrantes em júbilo. Foi uma noite cultural ímpar, para celebrar a cultura germânica em um de seus aspectos mais sensíveis, a música, o canto, a cultura. Deveras, as famílias de imigrantes vieram de um mundo cultural marcado pela reforma da Igreja, pelo mundo das ideias de Martim Luther. Luther defendia queler fomenta a inteligência; que o povo precisa ler, precisa aprender a pensar para ser livre e não poder ser ludibriado; que a Bíblia precisa ser lida e compreendida por todos e, para isso, a traduziu para o alemão. Sua impressão foi possível graças a invenção da imprensa por Gutenberg.E não é à toa que hoje a Alemanha sedia a maior feira mundial do livro.
A defesa de Martin Luther também permeou os ideais do Iluminismo, incentivando as pessoas a fazerem uso de sua própria capacidade racional; o grande filósofo alemão Kant as encorajava: Habe Mut, dich deines eigenen Verstandes zu bedienen, ou seja, tenha coragem de fazer uso de seu próprio entendimento. No início de 1800, já se havia tornado muito popular uma canção que lembrava ao povo que os pensamentos são livres:  Die Gedanken sind frei.
Os imigrantes vieram de um mundo que valorizava o canto, o livro, a leitura. Na Prússia a frequência à escola já era obrigatóriadesde 1752; de um mundo em que já existiam universidades, antes mesmo de o Brasil ser descoberto (fiz meu doutorado em uma dessas universidades seculares); vieram de um mundo em que floresciam pensadores e poetas. Em que poesias, como as de Goethe, Heine, Fallersleben, Eichendorf eram transformadas em canções populares.
O advento da imprensa, incentivou os poetas Clemens Brentano e Achim von Armin a coletar canções da tradição oral alemã, desde a Idade Média até o início de 1800 e a publicá-los em três volumes, em 1805 e 1808, sob o título Des Knaben Wunderhorn, em tradução literal: A corneta mágica do menino. Nestes três livros registraram inúmeros cantos que acompanhavam as pessoas em suas caminhadas, cantos voltados para a natureza em sua profusão e transformação ao longo do ano, cantos infantis, cantos de amor, de despedida, de reencontro e muitos mais.
Deveras, o cantoe a música compõem um dos muitos bens culturais que acompanhou os imigrantes a Santa Cruz. O canto esteve e está presente na vida das pessoas desde o berço até a morte. Canto para a criança adormecer, para acompanhar a família nas lides do dia a dia, seja em casa, na roça, na igreja, na comunidade, no enterro. Na minha infância o canto participava de todos esses momentos. E continuamos cantando, por que sem o canto, sem a música, a vida seria um engano, nos lembra Nietzsche: “ Ohne Musik wäre das Leben ein Irrtum”.

BELA CRÔNICA DE FRANKLIN CUNHA

Legalidade, legitimidade e  a Economia

A tese de Giorgio Agamben, filósofo italiano, marxista e católico, é fundamental para entendermos nossa situação política e econômica atual. Diz ele que a distinção feita entre dois princípios essenciais da tradição ético-política ocidental, a legitimidade e a legalidade, parece ter sido esquecida e perdido toda a consciência delas por nossas  sociedades modernas.
Os poderes e as instituições, afirma Agambem, não se encontram deslegitimadas porque caíram na ilegalidade, mas pelo contrário, a ilegalidade está tão difundida e generalizada porque os poderosos perderam toda a consciência de sua legitimidade. Porém não devemos pensar que poderemos enfrentar as crises de nossa sociedade apenas  pela ação – evidentemente necessária – do poder judicial. Uma crise que golpeia a legitimidade não pode ser resolvida no plano do direito institucionalmente estabelecido. A sua  hipertrofia  acaba de desembocar, por meio de um excesso de legalidade, na perda de toda a legitimidade essencial.
As tentativas insuficientes da Modernidade de fazer coincidir  legalidade e legitimidade, procurando assegurar a legitimidade de um poder pelo tradicional direito positivo, que nos rege, acusa, julga e condena, deu como resultado o incontornável processo  de decadência no qual entraram parte de nossas instituições democráticas.
E é nessa conjuntura, em momentos de instabilidade política, econômica e social (e jurídica), que os economistas – confundido e manejando canhestramente  os conceitos de legalidade e legitimidade - assumem os destinos da nação. E assim as políticas econômicas têm sido sequestradas por grupos de tecnocratas que se encastelam em supostas leis imutáveis das relações comerciais. Esses grupos situados politicamente na extrema direita do neoliberalismo, habitualmente estão ligados a interesses escusos e adotam a crença de que os fins justificam os meios.
Assim- afirma Jacques Sapir (“ Economistas Contra a Democracia”) – “vivemos numa espécie de conjuntura  destinada a lesar gravemente  a democracia, já que esses grupos atuam por sua conta e risco à margem de um controle maior, usurpando espaços políticos com o argumento que são “ experts “em  economia.  Pior: são (de)formados por escolas e teorias econômicas que produzem “especialistas“, limitados em sua formação e interpretações da realidade e que se baseiam  somente em dados  econômicos, ignorando  as amplas  realidades social, cultural e ontológica dos povos nos quais  são aplicadas suas teorias.
Afinal, que tipo de “experts“ são esses, pergunta Sapir? Os mesmos que conduziram países inteiros, ( os exemplos são atuais, reais e evidentes), à corrupção e à pobreza?”
Com muita frequência ser especialista em economia, implica em ignorar a história, a política, a música, a poesia e enfim as grandes artes que derrotaram a barbárie e civilizaram a humanidade.
A especialização resulta em se perder de vista o esforço árduo de construir arte, a “sabedoria e a sapiência”, estas  bem definidas por Roland Barthes. Enfim, como economista muito especializado, o indivíduo domestica-se e aceita tudo o que poderosos do momento lhe disserem  e permitirem.  Em última análise, limitar-se à especialização é acomodar-se ao estamento presente e assim fazer o que os outros mandam, porque essa é, afinal, a especialização que lhes permitiram exercer. 
Pois, lendo o livro de Paulo Timm, “ Devires e Derivas“percebo eu ele não é um desses especialistas.
Economista, formados pela UFRGS, graduado na Escola Latina da Universidade do Chile, na CEPAL/BNDES e Técnico do IPEA, PauloTimm é dotado de uma ampla formação cultural que inclui não somente economia, como literatura, história, sociologia, psicologia, a música popular  e... a poesia.
São esses variados, úteis  e amplos conhecimentos é que lhe permitem e possibilitam interpretar a realidade dramática ( mesmo trágica) de um país rico, tão variado e  poderoso em nobres qualidades humanas como o nosso, o qual exclui de uma vida digna de seres  humanos milhões de nossos irmãos e irmãs brasileiros.
Enfim, assinalo que Paulo age, crê  e sonha poeticamente, pois  gostou e se emocionou quando lhe reproduzi a opinião profética de Antonio Machado quando este diz que “ La Poesia es una arma cargada de futuro “.

Franklin Cunha
Aeronauta
Médico
Membro da Academia Rio-Grandense de Letras


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

TEMOS QUE ACREDITAR


Tenho vários conhecidos e amigos, cujos filhos querem porque querem se mudar para o exterior. Sonham com trabalhar entregando pizzas ou lavando louça em restaurantes da Inglaterra. O motivo seria  a descrença no Brasil. O aeroporto seria a panacéia para todos os males. 
Nada contra se o jovem ou a moça forem bem fluentes no inglês . Sem isso, nada feito. Por sinal, fico com muita pena quando, no aeroporto estrangeiro, muitos brasileiros têm dificuldades em entender o que o policial da imigração está perguntando. Sábado passado  assisti a um jogo de tênis entre um alemão e um austríaco. Entrevistados pelo repórter inglês, responderam fluentemente . Nadal, Federer e tantos outros tenistas falam um inglês que dá gosto. Já o jogador de futebol brasileiro, bem como nossos técnicos, têm uma baita dificuldade.
Mas voltando ao que gostaria de dizer é que o Brasil está, não com a velocidade desejável, melhorando. Vamos parar um pouco de falar e discutir sobre o recente julgamento do STF. De um jeito ou de outro as coisas vão se ajeitar.
Notoriamente  o Brasil está melhorando na arte de negociar com os possíveis importadores. Em vários itens, como o agro, somos indubitavelmente de ponta. O presidente Bolsonaro parece que está aceitando os conselhos de pessoas ajuizadas no sentido de pensar muito bem antes de falar.  Como diziam os romanos: “ si tacuisses, philosophus mansisses” ( se calasses, passarias por filósofo). Amigos meus, executivos de empresas exportadoras, arrancavam os cabelos a cada pronunciamento de Bolsonaro envolvendo o mundo árabe ou a China.Praza aos céus que ele deixe certas questões, principalmente diplomáticas, para quem conhece e tem treinamento ( ovelha não é pra mato). Que ele não tente ser um enciclopedista, porque  não tem esse preparo.
Creio que, mesmo com a recente decisão do STF, a roubalheira não voltará com a voracidade de antes. Apesar de algumas mudanças duras , temos que concordar com o apertar das cravelhas, visando a estancar a gastança desnecessária.
Sou contra as “ fake news” e o deboche escrachado nas redes sociais. Acredito, no entanto, que graças a essas ferramentas, se descobriram  muitos cancros. Agora quase nada escapa da vigilância das redes  e mormente da imprensa séria.
Aos poucos vamos todos nos cuidando mais, sendo mais probos e vigilantes. A publicação de um proceder ilegal de um agente público, só ela, já é uma “ poena naturalis” ( pena natural) cujos efeitos são importantes para que todos reflitam sobre as consequências de não permanecer na trilha do bem.

domingo, 17 de novembro de 2019

OS ORÁCULOS DE UMA NAÇÃO DIVIDIDA

OS ORÁCULOS DE UMA NAÇAO DIVIDIDA
Guilherme Socias Villela
No Brasil hoje se vive uma nação dividida. Há os são contra e os que são a favor - a qualquer coisa que apareça. Há os que querem progredir, mostrar porque vieram ao mundo - vencendo obstáculos que se lhe apresentam no dia a dia. Há os que sofrem adversidades. Há os que desfrutam a vida, às vezes parecendo ter vindo ao mundo à passeio. E há os que mergulham no nada - não notam ninguém. Nem são glorificados.
           Tarrafeando sobre o mundo brasileiro de hoje, todos, com poucas exceções, quando tudo fica difícil nem mais apelam para os deuses.  Invocam para algo chamado Estado (no campo doutrinário, a instituição das instituições - segundo os princípios da ciência do Direito). No caso do Brasil, um Estado que, segundo enraizada crença, que põe e dispõe, a tudo provê - tal quais os deuses o fariam, pacientes com as fraquezas humanas. Neste sentido, lembre-se o caso ocorrido na década de 60 do século passado, quando enchentes no Sul foram simultâneas às secas do Nordeste brasileiros. Os irmãos nordestinos esperaram uma atitude do Estado e de seus representantes políticos. Mas, tudo ficou parado. (A exceção ocorreu quando alguém disse: "vou começar tudo de novo!". Era uma agricultora de Santa Catarina!)
            Dito isso, diga-se que houve um momento em que todos acreditavam no Estado. Confiavam, assim, nos critérios patrióticos da alta corte de justiça brasileira. ("Ainda juízes em Berlim!")
            Recentemente a Corte foi testada quando dos notáveis escândalos ocorridos na administração pública e na política brasileiras. Desde então se observa uma nação dividida e frustrada.
Crises políticas. Poder moderador desnorteado. A Corte nem leva em conta a riqueza dos ensinamentos do passado, e.g., de Antero de Quental (Conferência do Casino, Lisboa, Portugal, 1871), quando alertou para as características sociológicas dos povos ibéricos e do além-mar.
            À nação frustrada só lhe restam à impunidade de conhecidos crimes na vida política e social brasileira. Contudo seus oráculos para lá foram levadas por suas condições de reputações Intelectuais e ilibadas. Mesmo assim, em sua maioria, eles vêm protagonizando equívocos e vaidades. Acolhem, com naturalidade, o fisiologismo, o patrimonialismo e a corrupção - como se estes crimes fossem da natureza do povo brasileiro, tal qual a lenda do escorpião e o sapo!   
            Enquanto isso, o Olimpo permanece majestoso. Helênico. À espera que os seus inquilinos, quem sabe, o deixem. Desaparecendo. Mergulhando no nada.

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

O BONDE DO DESTINO - ASTOR WARTCHOW


O Bonde do destino
            Prevendo os reflexos colaterais e temerários da decisão do Supremo Tribunal Federal (que garantiu as solturas prisionais atuais e futuras), o presidente Toffoli enviou proposta ao Congresso Nacional sugerindo a interrupção da prescrição enquanto tramitarem os respectivos recursos.
            Ainda que solução intermediária e razoável, não impedirá, entretanto, que o condenado requerente fique livre da prisão anos e anos, face o volume de criativos recursos que se sucederão e a histórica morosidade do judiciário.
            Legislar sobre prescrição parece ser a única solução imediata para minorar os efeitos negativos. Isto porque a presunção de inocência é cláusula pétrea da Constituição Federal, só modificável (de modo restritivo) via nova constituinte. Ou seja, atualmente a cláusula se sobrepõe a qualquer proposta de emenda constitucional modificativa (PEC).
            Há um outro e anterior complicador. Se mais de cento e cinquenta parlamentares têm "judicialmente o rabo preso", e que somados ao conjunto dos partidos e parlamentares simpáticos aos políticos e empresários presos (por motivos óbvios), como alcançar 3/5 dos votos em dois turnos no Senado e na Câmara dos Deputados?
            Ademais, se ocorrer a aprovação de uma PEC que permita a prisão após decisão em segunda instância (minorando a cláusula de presunção de inocência), e recorrida a questão ao STF atual (!), este afirmaria sua inconstitucionalidade, com certeza. Com base na imutabilidade da cláusula pétrea via emenda parlamentar. Ou seja, a PEC, se nascer, nasce morta!
            Assim sendo, cabe refletir sobre uma questão inadiável. Esta cláusula (uma garantia individual) se sobrepõe a qualquer lei modificativa que pretenda a supremacia dos direitos coletivos e do interesse social?
            Na defesa do interesse social (prisão de criminosos, por exemplo), cabe recordar que na fase preliminar e investigativa os processos judiciais correm em favor da sociedade, com base no conceito de “in dubio pro societate”.
            Contrariamente, na fase de julgamento e sentença, mantidas as dúvidas de autoria e responsabilidade, a decisão corre em favor do acusado. “In dubio pro reo”, se diz!
            Mas, se após duas condenações (!), em primeira e segunda instâncias, e sem registros de cerceamento de defesa, caberia ainda decisão em favor do réu?
            Acredito que não. A partir deste momento, creio que a decisão deveria voltar a ser em favor da sociedade e na garantia da credibilidade e segurança do sistema judicial.
            Detalhe. Sem deixar de reconhecer o previsto direito individual aos recursos especial e extraordinário, e mantida a hipótese de presunção de inocência, o já sentenciado poderia recorrer às demais instâncias superiores. Porém, aguardaria o resultado dos seus recursos preso!
            Face seu histórico de intensa e prolongada dedicação partidária e discutível formação acadêmica, o ingresso e atuação de Toffoli no STF sempre estiveram sob críticas.   Agora, teve a oportunidade de “ficar maior” do que quando entrara. Entretanto, com seu voto de minerva “ficou menor”. Toffoli perdeu o bonde do destino!

domingo, 3 de novembro de 2019

JOSÉ NEDEL LANÇA MAIS UMA OBRA

NEDEL, José. Tomás de Aquino: Um ensaio.  São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2019, 136 p. Este ensaio, que constitui o 18º livro individual do autor, contém pontos relevantes da filosofia prática de T. de Aquino, além de notícias sobre sua vida e obra. Ganham destaque três capítulos, pela extensão e relevância teórica: os que versam sobre a caracterização da moral do aquinate (5º), a virtude (6º) e a lei (7º). Sua filosofia política é apenas sucintamente esboçada. O texto, sem pretensões de exaustividade nem de novidade, presta-se a servir de subsídio a estudantes e a leitores em geral que estimam a cultura clássica como portadora de mensagem supratemporal, por isso ainda válida em nossos dias de extraordinária dispersão de ideias e doutrinas. Como saudável e vigoroso contraponto a essa dispersão característica da modernidade, a filosofia perene, que tem em T. de Aquino o seu representante de maior autoridade, segundo a opinião comum dos doutos, pode servir de orientação segura, quando não de corretivo eficaz. Daí a oportunidade desta publicação. Preço: R$20,00.

O VOO DA GARÇA -Newton Fabrício


Ao vir para o Foro, olhei para o Dilúvio. Afinal, é melhor olhar para um riacho poluído do que para as pessoas estressadas no trânsito. Valeu a pena. Planando acima do pobre Dilúvio, feio e sujo, de um lado para o outro, batia as asas, branca e tranquila, a garça do Afif; nada importava que a linha d’água estivesse no nível mais baixo que já vi; não dizia respeito à garça que o riacho estivesse transformado em um mero filete. Nada disso tocava a garça, que planava, solitária e suave, conforme a brisa, para cá e para allá.
O trânsito, enfim, andou.
Poucos metros adiante, me dei conta: o último vôo da garça, sempre tranquilo e em paz, agora foi mais baixo, mais perto do riacho.
E contra a correnteza.
Olhei pra trás.
Não a vi mais.
Talvez fosse apenas um ponto branco no céu azul, a voar rumo à solidão.
Pensei um pouco.
Então, me dei conta: nem tudo está perdido se até a garça começa a voar contra a correnteza.


Newton Fabrício

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

POR UMA CONSCIÊNCIA CIDADÃ RESPONSÁVEL PELO COLETIVO - POR LISSI BENDER


Nossa responsabilidade pelo coletivo – Lissi Bender, doutora em Ciências Sociais, vice-presidente da Academia de Letras de Santa Cruz do Sul
Viver sem sacolas, copinhos, pratinhos, talheres descartáveis e outros artigos supérfluos é possível. Foi possível no passado e é possível no mundo atual. Países mais atentos à qualidade de vida e preocupados com o futuro do planeta fornecem exemplos de que se pode viver, e melhor, com menos lixo.
Em diversos lugares no mundo o cesto, as sacolas de pano ou sacos de papel pardo são auxiliares constantes nas compras. Sacos plásticos somente mediante compra. Bebidas em recipientes plásticos vem acrescidas de Pfand, um valor extra que somente é reembolsado quando o vasilhame é devolvido. Também em duas universidades, nas quais estudei, na Albert Ludwig de Freiburg e na Eberhard Karls de Tübingen, era comum os estudantes carregarem, preso na mochila, uma xícara para o consumo de café ou outra bebida. Quem não trazia, pagava vinte centavos a mais na hora de se servir nos automáticos.
Já vivenciei muitos eventos como o ChocolART, o Weihnachtsmarkt, a Oktoberfest e outros, em que o plástico não participou da festa. Ilustro aqui com a Sommerinselfest de Tübingen. Uma grande festa ao ar livre em que o participante paga um valor a mais na hora de comprar uma bebida, uma comida, que lhe é servida em belos cálices, talheres de inox e pratos de porcelana. Na hora da devolução dos recipientes usados, recebe-se o valor, o Pfand, pago. Resultado: a festa termina sem nada de lixo sobre os gramados.
Em Stuttgart participei da grande Feira Internacional de “Slow Food”, um movimento originado na Itália e que está tomando conta do planeta, em oposição ao “Fast Food” e em favor de uma mudança da qualidade, tanto dos alimentos, quanto em favor da própria vida, da biodiversidade, da qualidade de vida dos animais e cuidados para com o meio ambiente. “Slow Food” é uma filosofia de vida que prima pelo vagar, menos pressa, não apenas comer, mas degustar, sentir o sabor dos alimentos, saber que foram produzidos de forma sadia, que os animais em vida são bem tratados, que o produtor recebe preço justo. Por isso, também aqui os plásticos não tem vez.
Mesmo em megafestas como a Oktoberfest de München, a cerveja é servida em canecos de vidro (de um litro - Maß). Este ano, por exemplo, 6,3 milhões de pessoas visitaram a festa e consumiram 7,3 milhões de litros de cerveja e os canecos não se transformaram em armas. E mesmo no Alianz-Arena de München o plástico perdeu seu espaço. Já faz dois anos que o clube esportivo FC Bayern instituiu um sistema de copos reutilizáveis. E mesmo a União Europeia está a caminho de proibir objetos não reutilizáveis que deverão ser extintos até 2021.
Alternativas existem. Significam menos bueiros entupidos, menos riachos, rios e mar poluídos, mais preservação da natureza, das vidas, da qualidade de vida para todos. Menos pode ser mais. E se a desculpa é o risco de um quebrar o prato na cabeça do outro, então minha gente, ou seremos para sempre uma sociedade incapaz de conviver civilizadamente, ou vamos mudar esta realidade. E todos sabem que isto passa por educação em favor da convivência coletiva, amor pelo lugar de viver, cooperação e mudança de hábito.

domingo, 27 de outubro de 2019

OU POUPA OU VOLTA A ANDAR DE CAMELO - OPORTUNO TEXTO DE LAIS LEGG, PSIQUIATRA E COMUNICADORA

Ruy, penso da mesma forma.
Mas eu "me arremango" e laço o problema. Sou síndica de meu prédio e a funcionária da limpeza aqui chegou para trabalhar cheíssima de dívidas. Organizei sua vida, planejei as etapas de cada pagamento e ela, em alguns anos, consertou suas finanças. E ensinei-a a jamais, em tempo algum, fazer crediário. Mostrei a ela, com toda a paciência do universo, que, financiando alguma coisa, pagamos duas ou até três vezes. E o queixo dela sempre caindo... ensinei-a que, para adquirir algum bem, que o fizesse contando com seu 13o., seus abonos de férias e venda de dez dias. E ela assim tem feito. Compro os bens em meu cartão e ela me paga, religiosamente.
Festas? Presentes caros? Removi a idéia. Ensinei que festa boa se faz em casa, com uma torta, sorvetes ou picolés, sanduíches e refrigerantes, as crianças adoram. E ela viu que era a mais pura verdade. E um churrasco, com galeto, pão de alho, salsichão e costela  cabe perfeitamente no bolso dela.
Resumindo, ela está feliz, sem dívidas, comprou TV, máquina de lavar, ventilador de teto, geladeira nova e outras coisas, sem se enterrar em dívidas. Mas a gente precisa ensiná-los, a TV só empurra, goela abaixo, o consumismo desenfreado. E eles acham que, se a prestação cabe no seu salário, dá para comprar.
Abraços.  

OU POUPA OU VOLTA A ANDAR DE CAMELO


“Volver a los diecisiete después de vivir un siglo
es como descifrar signos sin ser sabio competente.” ( Violeta Parra).
Ainda falta muito para eu completar “ un siglo”, mas nem me preocupo. Está bem assim e que a natureza  “ siga el corso” . O que me encanta é poder, já sem medo de críticas e muxoxos, observar o viver das pessoas.
Já descrevi aqui uma das primeiras lições  que meu falecido pai me deu, quando eu tinha 15 anos. Eu estava num momento de folga e me encontrei com amigos na frente do Colégio São Luiz, em Santa Cruz.Calçava meus sapatos Vulcabrás. Aproximou-se um engraxate e permiti que fizesse uma graxa caprichada ( naquele tempo se engraxavam os sapatos de couro) . O guri sentou-se aos meus pés e se pôs ao trabalho. Nisso meu pai passou com sua Dodge e me olhou, seguindo logo seu caminho. Na hora do almoço estava triste. Minha mãe lhe perguntou:
“ was ist los” ( o que houve?) E meu pai perguntou a mim, também em alemão: “ não poderias ter engraxado teus sapatos em casa?”
Meu pai, portanto , achou grave e sério o desperdício de dinheiro.
É aí que quero chegar. No Brasil não está  arraigada nas pessoas a virtude da poupança, do não às coisas supérfluas.
Criei filhos e filhas dando valor à poupança. Quando uma roupa não servia mais , o filho repassava para o mais novo. Todos levavam suas próprias merendas de casa. Na época não havia merendas gratuitas.
Tenho constatado desperdício até nas pessoas pobres. Temos  empregada doméstica e eventuais faxineiras. Isso implica convivência, respeitosa, cuidadosa. 
Por vezes é inevitável se flagrar a irresponsabilidade financeira. São sérias, trabalhadoras, mas muitas gastam em ítens não urgentes, se endividam com o celular e o cartão, acabando no abismo da inadimplência.
Uma  nossa colaboradora, que tem carteira assinada e tudo, atualmente está nervosa porque sua filha vai fazer 15 anos. Relatou que percorreu vários “ espaços” de festas e não encontrou nada por menos do que 2.000 reais. Fora comida para 100 pessoas, bebidas, book, roupa  etc.. A mãe da menina vem de bicicleta para o serviço, se mata trabalhando nas faxinas eventuais e está desesperada por não poder dar uma festa condizente para a pimpolha que nem a louça lava em casa.
Nenhum filho meu foi para Disney, nem teve casamentos suntuosos. E acreditem, ninguém morreu nem fez beicinho.Com todos negociei o valor da pretendida festa por uma aplicação financeira módica.E , de inhapa, uma comemoração familiar restrita. Resumo árabe: ou se poupa, ou se perde o carro e se volta a andar de camelo.

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

SÔBRE SABIÁS E PRAIAS


Talvez vocês não conheçam a fera. Mas o José Luiz Prévidi é um blogueiro super, tri polêmico. Por sorte sou amigo dele e nalguns casos andei livrando-o  de umas broncas. Ele mora tanto em P. Alegre como numa praia que ele chama de Oasis Internacional. Nunca fui à casa dele, mas ele já veio muito na minha. É um baita papo. A casa dele em P. Alegre é  na Cidade Baixa. Ele implica com os sabiás e suas cantorias porque justo quando ele vai dormir, quatro da matina, os bichos começam a cantar . Interessante: em Xangri La nunca ouvi sabiás cantando. Lá tem de tudo, quero queros, canarinhos e mil outros passarinhos, menos sabiás. Pois foi aí que num churrasco rolou uma tese que foi aprovada. Só as cidades grandes têm sabiás . E por que? Porque nelas há comida de sobra nas ruas. Daí que um amigo meu, tendo bebido um pouco demais, proclamou: os sabiás são os passarinhos “ bolsa família”. Passam comendo de graça e estão de farra cedo da madrugada. Claro que me indignei com esse amigo e o adverti a não ser tão politicamente incorreto.
Como passo muitos dias da semana na nossa casa a uma quadra do mar em Xangri, são os passarinhos que nos acordam. Mas não no uníssono dos sabiás que, no entender do Prévidi, são mais chatos que o Bolero de Ravel. 
Falar em morar na praia.
Respeito quem gosta, mas se é para morar em condomínio fechado, fico na minha fortaleza em P. Alegre, no oitavo andar de um edifício de onde fico cuidando todos os movimentos do nosso Governador. O edifício é ao lado praticamente dos jardins maravilhosos do Palácio Piratini que só são vistos do alto. 
Meu escritório é no Edifício Tribuno, do outro lado da Assembléia. Cinco minutos a pé.
Pois é, mas hoje para que escritório? Não é melhor um “ home office”? Do teu celular tu acessas os processos, quase todos eletrônicos.Deixando os devaneios para lá , penso que
devemos nos libertar de preconceitos e de falácias. Exemplo: o cara vai para Jatiúca num resort, mas para seu azar, chove todo o tempo. Ele volta dizendo que em Jatiúca é péssimo, SEMPRE chove. As praias do nosso Litoral Norte são muito boas . Mas sempre vêm a arenga: e o mar de chocolate?  Essa não é a regra. A maioria dos dias, em todas as estações, é muito linda. Acrescente-se o ar puro, um tênis nas quadras cobertas e de saibro da SABA, longas caminhadas na orla vazia, poder entrar nos supermercados sem pressa e sobrando vagas no estacionamento.
E em janeiro e fevereiro?
Vou para a fazenda tomar banho nas sangas e açudes. Na garupa das câmaras de pneu. Os jovens não viveram isso...

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quinta-feira, 10 de outubro de 2019

UMA PITADA DE FUTEBOL


Sou colorado. Sempre fui. Mas não doente. Mesmo porque quando, nas poucas ocasiões de minha  vida em que adoeci, ninguém do Inter veio me visitar. Torço pelo Inter mas a triste sina de nós colorados é ressuscitar os mortos, como o Avaí e a Chapecoense e tomar gol dos grandes aos 50 minutos do segundo tempo. O Rio Grande sempre foi assim, vocês sabem. A eterna luta de chimangos contra maragatos. Gremistas e colorados.
O futebol dá muito dinheiro, especialmente  para empresários, jogadores, advogados da área. Há coisas, porém, que me repugnam no futebol.
Raciocine comigo. Eu sou teu advogado numa causa de alto vulto. Sei de todos os teus pontos fracos. Mas, de um dia para outro, passo para o outro lado e vou advogar contra ti.  Inimaginável. Esses dias um treinador que defendia os interesses  de um clube foi demitido. No outro dia chefiou o time contra aquele do qual fora dispensado, aproveitando-se
de  informações privilegiadas.E o que dizer da falta de ética de alguns jogadores, simulando faltas?
Apesar de eu ser colorado admiro muito o Renato Gaúcho.Recentemente Renato não gostou da maneira como um clube que o queria contratar agia. Imediatamente renovou com o Grêmio.
A aparente arrogância de Renato creio ser fruto de sua infância quase pobre. Mas, ao invés de ficar chorando pelos cantos, se manteve forte e foi galgando posições.
E porque seria aparentemente arrogante?
É porque a arrogância calculada enquanto causa revolta nos adversários e fortalece seus comandados.  Está fora de qualquer cenário Renato treinar o Inter, nem na próxima encarnação. Daí porque ele pega pesado nas suas manifestações. Conhece futebol, foi excelente
atleta.Apenas  considera o Colorado fraco e insignificante. Essa tomada radical de posição guerreira, ajuda na união do seu grupo.Gostei de uma entrevista dele após uma derrota nos pênaltis. Disse: “ chegará o dia em que o treinador vai cobrar os pênaltis”.
Renato, eu sei , eu vi, era o rei da noite. Até nisso mudou. Anda quieto e discreto. Mas ele conhece tudo dos bastidores e, principalmente, dos meandros extra campo. Sabe  como pensa a  gurizada que saiu  da favela, mas a favela não saiu deles.  Segundo sei não corteja dirigentes. Hoje, com o Bolzan, que é um lord inglês, não tem atrito.
Em seguida será técnico da seleção brasileira, salvo se o Grêmio lhe oferecer uma grana mais preta ainda.
Mas não irá para o exterior.  É monoglota, só fala  o português.  Não creio que tenha lido o Pequeno Príncipe, muito menos qualquer obra de Paulo Coelho (no que empata comigo).

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

FAR WEST FRACASSADO



À medida que vou avançando na idade, conquanto a cada ano melhore meu drive de direita no tênis, cada vez mais diminui minha vontade de escrever sobre essa bagunça política brasileira. Estou, portanto, me preservando para um dia merecer ser convidado de novo à reunião tenística do Trem das Onze.
Enquanto o nosso querido jurista e advogado Astor Wartchow nos contempla com ensinamentos jurídicos, eu me exponho aos áulicos do politicamente correto e vou desfiando “causos” de campanha. Estou muito enjoado da cena jurídica. A propósito, já várias vezes falei sobre a importância das galas e cerimônias. Nunca compareci a uma audiência sem terno a gravata. Jamais fui a um casamento de camiseta .Pode ser frescura, mas como tive berço, sempre dei senhoria às autoridades, às senhoras, aos senhores.
A cerimônia faz com que nos contenhamos de ímpetos inferiores. As galas nos ensinam a respeitar os demais. Jamais objetar, jamais se atravessar enquanto o orador está falando.
Mas vamos ao far west.
Um eminente integrante de alto escalão  jurídico consegue ser escolhido entre seus pares  e, em seguida, ser guindado ao alto posto do Ministério Público. Age com denodo, enfrenta contrariedades, bate cabeça com cabeças coroadas do dito Excelso Pretório. As luzes dos holofotes estão sempre em sua mira. 
Chega, porém, o dia em que considera melhor se retirar, se aposenta com proventos integrais e parte para a iniciativa privada.
Decide deixar um legado para nós, meros espectadores, escrevendo, com “ghost writers” ao que consta, passagens de sua turbulenta trajetória.
Acompanhemo-lo.
Ele se ressente contra um integrante da alta corte. Integrante esse que não é uma unanimidade e que em matéria de cerimônias e galas sabe pouco. Dito magistrado é daqueles de corar os frequentadores das redes de vôlei do posto 5 em Copacabana.
Nosso procurador achou que o magistrado o tinha desaforado. A solução judiciária  não lhe pareceu correta. Abriu seu cofre e deu bom dia  à Frau Glock, afamada austríaca que, uma vez acionada, vomita azeitonas de chumbo
Decidiu matar o Ministro. E depois se suicidar. Aí já vejo dois problemas. Como assim, matar o ministro desafeto sem lhe dar chance de defesa? Ok, atirou no Ministro e depois? vai esperar para ver se matou e depois se suicidar? Mais um problema: onde se dar o tiro ? Na boca, no ouvido, no coração? Teria prática nessas coisas?
Colocou a Glock debaixo do manto sagrado da Justiça e se dirigiu ao desafeto.
O gaúcho sempre diz: se fores sacar, atira para matar.
Esse procurador não deveria ter contado sua covardia.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

SOBRE JANOT - TEXTO DE TITO GUARNIERE

TITO GUARNIERE


DESTRAMBELHO

Esse cidadão, Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, não é muito certo da cabeça. Dizem que ele era meio chegado à beberagem. A bebida social, relaxa e descontrai o ambiente. Mas em demasia causa danos irreparáveis ao cérebro, ao fígado, ao corpo inteiro. Terá sido a causa do destrambelho?

O ex-procurador é um homem perigoso. Por pouco não cometeu um assassinato a sangue frio e o país – e o mundo – ainda teriam de assistir, em sequência e estarrecidos, um suicídio ao vivo na televisão. Nem o ficcionista mais criativo imaginaria a cena.

Não é possível que Janot não tenha pensado nesse cenário, e nas suas terríveis consequências, para ele e sua família, o Supremo, o Ministério Público Federal, que ele comandava, os seus pares e colegas, e para o Brasil.

Psicopata de carteirinha, destituído de empatia, de respeito pela vida humana (inclusive a própria, já que ia se matar) e, no caso dele, acima de tudo, de senso de justiça, entretanto, ocupava um dos mais altos cargos da República, e era o chefe de uma instituição proeminente do aparato judicial e do Estado brasileiro.

As razões alegadas pelo ex-procurador eram as mais fúteis. O ministro Gilmar Mendes, do STF, teria revelado que a filha de Janot, era advogada de uma empresa investigada pela Lava Jato. Nada mais. Não a acusou de nenhum ato irregular ou ilegalidade. Era apenas um fato – verdadeiro, por sinal.

Pois a ofensa que não houve se tornou de tal gravidade que Janot, na plenitude do exercício do seu alto cargo, em parafuso, tomou a resolução de matar o desafeto. E nessa voragem de loucura, planejou fazê-lo em pleno tribunal, a mais alta corte do país. O ato seguinte ao "tiro na cara" de Mendes, seria o suicídio. Chegou a engatilhar o revólver Glock. Mas na última hora foi contido, segundo ele pela mão de Deus.

É o perigo de ter armas à mão. Mesmo Janot, figura central na hierarquia da República, que deveria se conduzir com comedimento, treinado nos embates de que é feita a vida de um procurador, por um triz não causou uma tragédia histórica.

Como sabemos agora, Rodrigo Janot dormia com a arma carregada na cabeceira da cama, decerto atormentado pela paranoia comum a indivíduos da espécie. Outro que dorme com o revólver ao lado da cama é Bolsonaro. É de dar calafrios na espinha.

Janot é aquele procurador-geral da República que assinou um acordo de delação de pai para filho, concedendo aos irmãos Batista, Joesley e Wesley, da JBS, perdão eterno de todos os rolos em que estavam metidos, em troca de gravar o próprio presidente da República, a fim de incriminá-lo. O ex-procurador, provavelmente já tomado de algum grau de demência, havia se imbuído da missão de afastar Temer da presidência a qualquer custo. E usou de todo o seu poder, artimanhas e truques baixos, para alcançar o objetivo. Causou um mal irreparável. Não há país que resista a tal grau de insolência.

Que os moralistas de baixo custo – que infestam as redes sociais –, nada tenham visto de anormal na armação, era de se esperar. Mas a grande mídia, com raras exceções, como o Estadão, deitou e rolou sobre o episódio, crucificando a vítima (Temer) e livrando a cara dos delinquentes.

titoguarniere@terra.com.br

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

AS PERDIZES SALVADORAS


Na região da campanha, até alguns anos, era comum a caça de lebres, perdizes, pacas, jacus, marrecas, pombas, quase tudo, enfim, de que se mexesse. Quase todos tinham armas de caça. Até eu tinha duas, uma calibre 12 e outra calibre 20. Os campos eram, como ainda hoje, muito extensos. 
Quero deixar claro que mais tarde nunca deixei caçar nos campos da nossa família. Inclusive a queridos amigos negava a entrada. Até brincava, “se teu problema é carne, vamos carnear um chibo (cordeiro)”. Nem pescar não deixava. Todavia  uma noite antes da sexta-feira santa não tem jeito. Tudo bem, é fazer de conta que não se vê  nada, mesmo porque não há como fiscalizar ou montar guarda  ante quase 40 açudes.
Mas voltemos aos anos 60 e 70. Era comum se ver carros voltando das caçadas com os bichos “ornando” as portas e os tetos . 
Naquela época eu até caçava,mas sempre dentro da quota. Depois de um tempo, quando casei com Maristela e juntos tocamos a fazenda, é que eu vi como era daninha a caça e me tornei um conservacionista.
Certa feita, logo que assumi em Santiago, lá por 1975, fui convidado para comer uma perdizada no sítio de um forte fazendeiro de um município vizinho, que usava o refúgio para suas festas. Seria num sábado à noite. Era verão e o homem tinha até piscina, coisa rara naqueles tempos.Estavam convidadas também umas meninas faceiras que seriam trazidas lá de São Borja, fato que eu desconhecia antes de chegar.
Um amigo meu, que era casado,o Carlos, teve dificuldades em explicar para a esposa da razão de ser festa só de homens, ao que ele retrucou que ia ser caçada com pescaria e só voltaria dia seguinte. Mas a esposa choramingava perguntando porque o esposo tinha se barbeado e perfumado. Peguei carona com meu amigo e nos fomos. Chegados ao sítio as perdizes estavam preparadas, com saladas e tudo que era coisa boa,em grandes e finas travessas. Por “mala suerte” as meninas não puderem ir e deu um temporal bagual, assim que só vieram cinco dos 40 homens convidados. Não ía sair a festa. Ao que tive uma idéia: “Carlos, vamos pedir e pegar umas travessas dessas, encher de perdizes, total vai quase tudo fora e vamos jantar na tua casa.” O anfitrião concordou e nos deu travessas de saladas, umas vinte perdizes assadas, um engradado de cervejas geladas, mais sobremesas . Saímos à toda para a cidade.Carlos tocou a campainha e exclamou: 
“Amoooorrr, surprêsa, arruma a mesa que já vou servir as perdizinhas, ou tu achou que eu ia fazer bobagem?” 
Veio a jovem esposa toda vermelha de tanto chorar: “meu anjo e eu fui duvidar de ti…”

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

DE MÉDICOS E LOUCOS...


É um velho refrão: de médicos e loucos, todos temos um pouco.Salvo porém com coisas muito simples não deveríamos bancar os médicos, baseados por
exemplo no Google. Concordo que essa ferramenta é muito útil para nossa informação. Mas daí a nos auto medicarmos vai um perigo real. Também tenho certeza de que é um erro grave desobedecer às instruções dos profissionais da saúde. Em fevereiro deste ano publiquei uma crônica na qual narrava uma bobagem que cometi, aos 47 anos, após me operar de um esporão do calcâneo. O médico mandou que ficasse de repouso vários dias, com a perna para cima. Não dei muita bola, não sentia dores, saí de muleta  para lá e para cá, deu uma deiscência de sutura, tive que me submeter a debridamento e esperar por longo tempo pela cicatrização por segunda intenção.
Certo dia cheguei à fazenda após uma semana de ausência. Após os relinchos de praxe,perguntei pelo filho de um dos peões. Me disseram que estava de cama. Tinha caído de moto e “lastimado” a perna, mas estaria tudo bem porque um “arrumador” de osso já tinha dado jeito. Entrei no quarto do rapaz. Estava de calção e com uma tala de lascas de taquara envolta numa fita de pano, do meio da coxa até o meio da canela. Claro que se tratava de uma fratura grave. Chamei o pai do guri e disse que ia levar o filho imediatamente ao hospital. “Mas doutor, não “percisa”, o osso vai ficar bom!”. Insisti que não tinha conversa e que ia já chamar a ambulância. E o pai renitente. Fui claro: “então vou chamar agora a Polícia! !” A ambulância veio logo, o rapaz foi internado, é claro que a perna estava fraturada. O moço se salvou. Graças aos médicos do Hospital de Santiago.
Certa madrugada, na estrada, vi uns carros estacionados no acostamento. Tinha havido uma colisão frontal entre dois caminhões. Um dos motoristas dava a impressão de já estar morto. Nisso chegou a Polícia. Ainda deu tempo de eu conseguir subir na cabine do outro caminhão, que estava com o vidro da janela semi aberto e o motorista estava lúcido. A deformação com o choque não permitia abrir nenhuma das portas e ele estava com as pernas presas. Alguns homens arrancaram os cabos da bateria para evitar um incêndio. Os policiais pediram que nos afastássemos, que a ambulância já fora chamada. Subi na boléia do que estava vivo e lhe perguntei como estava. Ele respondeu: “atendam o outro, vejam se está vivo e fiquem frios que estou bem”. Segui meu caminho e de noite o rádio deu a notícia. Os dois motoristas tinham morrido.A falta de um médico...que pena.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

MORO, MOURÃO, GUEDES E BOLSONARO


Com Sérgio Moro eu me preocupava muito. Ele era um juiz singular, ainda não tinha a prática de julgamentos em colegiado. Explico-me: o juiz singular  despacha, instrui o processo e ao término profere a sentença, que tem que ser fundamentada. Isso o juiz vai fazer solitariamente, ele e Deus. Talvez se valha de pesquisas de assessores, mas quem tem a caneta é ele sozinho. No colegiado, Tribunais de Justiça, STJ, STF etc, a regra é que uma turma, um grupo, decide. Isso exige serenidade, acatar quando a maioria decide em contrário a suas convicções. É uma fase para a qual o magistrado tem que estar consciente de que a maioria decide e não ele sozinho.Por vezes se vêem em Tribunais, discussões acirradas, o que não é e nunca foi de meu gosto. Moro, portanto, se já não tinha a experiência de ser contrariado, muito menos tinha a vivência dos meandros  da política.
Por isso  esteve na corda bamba pronto para levar um empurrão e ser defenestrado sem cerimônia. A meu ver - e posso estar errado- o que o salvou foi a opinião pública. Com efeito, quando surgiram as pesquisas dando Moro com alto percentual  de aprovação, ligou-se a sirene do mundo político. Com Bolsonaro em baixa nas pesquisas, só um louco para dar o cartão vermelho a Moro. As ruas seriam tomadas por manifestantes e tudo mais.
Moro maneirou a expressão de suas contrariedades e vai surfando, calmo e fagueiro, na onda de seu prestígio ante as massas.
O General Mourão logo de início não se deu conta de que, conquanto ele fosse general e Bolsonaro capitão, este era Presidente. Mourão quis ajudar, mostrar seu potencial  de , na falta do Presidente, ser o homem certo para continuar no leme do barco. Acontece que isso não pegou bem, começaram as críticas e Mourão fez o certo. Diminui as aparições públicas. 
O nosso ministro Guedes é de pavio curto o que às vezes é bom. É muito preparado para a área, não estava precisando desse cargo para viver, ao contrário, está deixando de ganhar dinheiro. Muitas de suas posições causam certo temor, mas creio que o navio está no rumo certo. Por vezes me pareceu que ia chutar o balde, mas deve ter tido bons conselheiros que o dissuadiram. Posso estar errado mas o caminho para o bem estar de um povo não passa pelo coitadismo, por medidas populistas e por óbices à livre iniciativa.
No que tange ao Presidente, vamos ter que rezar para que seus excessos verbais não causem uma situação de irreversibilidade, se é que me entendem. 
Bolsonaro saiu das praias do Rio, mas a espontaneidade da maioria dos cariocas não saiu dele

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

A BELA AMPARO


Hoje, sem nenhum preconceito, vou contar um episódio de que tomei conhecimento há muitos anos.  É sobre um costume, que creio hoje desaparecido, que alguns homens da campanha tinham: “ter uma  protegida”. É um caso de amor “brujo” e enfumaçado, amalgamado com paixões carnais inconfessáveis.
Os fatos se deram também na região  da campanha gaúcha. A vida fluía sem muitas novidades .Vou descrever o que vi e ouvi, mas “por la leche de mi madre” juro que eu nunca fui dessas práticas, muito menos frequentar a “ zona”, pois minha mãe Ludmila,  me advertia severamente a não  frequentar esses lupanares, brandindo seu dedo em riste e me alertando  para as sífilis, gonorréias e outras coisas que poderiam me acontecer. 
Nessa cidade a que me refiro, havia um, como se diz hoje, operador do direito, que era meio feio, mas possuía muita “plata”. Tinha família constituída, ia com esposa e filhos para a santa missa, mas era um predador voraz das delícias do amor clandestino. 
O ínclito dr. Hermenegildo , chamemo-lo assim,  era respeitado e até admirado. Mas tinha um “fraco” por jovens mulheres. É que, segundo “pérfidos” costumes da época, era tolerada a “proteção” a uma mocinha, desde que isso não implicasse desrespeitar publicamente a esposa “legítima”. Até se ouvia: “ normal, coisa de homem”.
O dr. Hermenegildo, no entanto, tinha um mau costume para os preceitos consuetudinários da época. Não se contentava só nos meneios e práticas, mas se apaixonava. Alugava uma casinha, montava um instituto de beleza, como era usual. Todavia, depois de certo tempo, se “desapaixonava” e resolvia as coisas em perdas e danos.
Certo dia desembarcou, vinda de Rivera, uma morocha de fechar o trânsito. Aparecia nos cafés e restaurantes, vendendo “alfajores” que ela mesma fazia na casa de uma tia que morava lá perto dos trilhos. Arrastava olhares lascivos. Amparo era seu nome. Linda como laranja de amostra.
O dr. Hermenegildo a viu passando pela rua principal e a abordou. A moça não lhe deu atenção, fez um muxoxo e seguiu com o balaio de doces. Tipo da guria para constituir família.  Hermenegildo não se sofreu e concluiu que ia fazer uma proposta para Amparo. Dar-lhe-ia uma casa, mais uma quadra de campo e celebraria com ela um “contrato de bom viver”, quem sabe ter um filho .
Decidiu relatar sua decisão a um compadre. O amigo lhe disse que parasse com isso, que lhe indicaria uma moça cancheira,  recém  chegada na zona e  louca de querendona, como ele mesmo constatara.
Qual é o nome dela, perguntou Hermenegildo?
Amparo, retrucou o amigo.