domingo, 3 de novembro de 2019
O VOO DA GARÇA -Newton Fabrício
Ao vir para o Foro, olhei para o Dilúvio. Afinal, é melhor olhar para um riacho poluído do que para as pessoas estressadas no trânsito. Valeu a pena. Planando acima do pobre Dilúvio, feio e sujo, de um lado para o outro, batia as asas, branca e tranquila, a garça do Afif; nada importava que a linha d’água estivesse no nível mais baixo que já vi; não dizia respeito à garça que o riacho estivesse transformado em um mero filete. Nada disso tocava a garça, que planava, solitária e suave, conforme a brisa, para cá e para allá.
O trânsito, enfim, andou.
Poucos metros adiante, me dei conta: o último vôo da garça, sempre tranquilo e em paz, agora foi mais baixo, mais perto do riacho.
E contra a correnteza.
Olhei pra trás.
Não a vi mais.
Talvez fosse apenas um ponto branco no céu azul, a voar rumo à solidão.
Pensei um pouco.
Então, me dei conta: nem tudo está perdido se até a garça começa a voar contra a correnteza.
Newton Fabrício