TITO GUARNIERE
PEDRA E VIDRAÇA
Pareceu a muitos que quando o ex-juiz Sérgio Moro aceitou
participar do governo de Jair Bolsonaro, na pasta da Justiça, nós
ingressaríamos numa fase nova e virtuosa da política nacional. Mas o que se tem
visto é um Moro que, em assuntos mais cabeludos, como são os do mundo inóspito
da política, se comporta de forma muito parecida com os seus antecessores.
Voltou às manchetes a acusação de que o futuro ministro
da casa Civil Onyx Lorenzoni teria recebido recursos de campanha do caixa dois
de uma empreiteira. Moro, interpelado a respeito, ao invés daquele rigor
vertical de juiz, que era a sua marca, saiu-se com a velha e surrada versão de
que não havia provas. O forte do juiz Moro, até então, nunca havia sido levar
em conta o princípio legal da presunção da inocência.
O ex-juiz Moro, futuro ministro, fez ainda pior no caso
das movimentações financeiras incomuns do ex-motorista Fabrício Queiroz, que
servia Flávio Bolsonaro, filho do presidente e senador eleito pelo PSL.
Indagado a respeito pelos repórteres, “não ouviu” a pergunta e se retirou da
entrevista sem responder.
É a vida como ela é. O ministro, ainda mais ele sendo
Moro, tem de enfrentar as perguntas incômodas e até a insolência dos
jornalistas. A imagem que passava, a visão ingênua dos eleitores, permitiam
supor que talvez pudesse ser diferente. Não é. Os embates políticos, a
cobertura da imprensa, são mais ou menos iguais em toda parte.
O caso do ex-motorista é inquietante. São muito próximas
as relações de Queiroz - além dele a mulher e duas filhas foram funcionários do
gabinete de Flávio - com a família Bolsonaro. Um funcionário de gabinete de
político andando para cima e para baixo fazendo transações bancárias em
dinheiro vivo - 176 entre os anos de 2016 e 2017 -, tomando o cuidado de não
realizar operações superiores a R$ 10 mil (que acionam alerta automático no
COAF), e um depósito de R$ 24 mil reais na conta – vejam só – da mulher do
presidente eleito, Michelle Bolsonaro, nada disso é normal. Ao menos se usarmos
a régua moral draconiana que Bolsonaro, Moro e Onyx Lorenzoni costumavam
aplicar em relação a outros acusados de malfeitos.
O presidente explicou que era um empréstimo, e que o
motorista Queiroz havia feito o pagamento na conta da esposa, porque ele não
tinha mobilidade para isso. É razoável, embora há poucos dias, já presidente
eleito, ele fez questão de ir pessoalmente a um caixa eletrônico para retirar
dinheiro. Neste caso foi para agradar a clientela, dando uma de homem comum.
Mas se era para pagar um empréstimo, porque depositar na
conta da esposa? E desde quando o credor precisa ir ao banco para receber o
valor de uma dívida? O empréstimo estava declarado no imposto de renda do
credor (o presidente) e do devedor? Ao que parece não houve tempo ou lembrança
para tal formalidade.
Não estamos diante de nada grave, salvo fatos novos a
respeito. Mas não existe isso de nova política e velha política. Há apenas a
política, seu universo de intrigas, trairagens, pequenos delitos, às vezes
grandes, situações simples de explicar e outras mal explicadas. É fácil ser
pedra. Difícil é ser vidraça.