domingo, 29 de janeiro de 2017

DESAPEGO - POR NENITO SARTURI


Nenito Sarturi, Advogado, delegado de Polícia aposentado, jornalista, poeta, homem correto e sábio, é uma das mais raras jóias da cultura brasileira.
Agradeço de coração o poema com que ele me presenteou.
 
DESAPEGO* (Nenito Sarturi)

Inspirada em texto de Ruy Gessinger

 

Presenteei minhas bombachas

Chapéus e demais aperos:

Já que sou um ex-campeiro

Não preciso desses “luxos”:

Sei que não cabem debuxos

No nono andar deste prédio

Mas, apesar do meu tédio,

Eu permaneço gaúcho.

 

Ainda sinto as flexilhas

Acariciando meus pés

E revejo os aguapés

Daquele arroio dos fundos.

Eu sou mesmo um vira-mundo

Que não se apega aos apegos,

Mas o cheiro dos pelegos

Ainda está no meu mundo.

 

Arrendei todos os campos

Mas não perdi minha essência,

Quando vejo pirilampos

Minh’alma pede tenência

E me leva, mesmo em sonho,

Para os confins da Querência!

 

Deixei na estância os arreios,

Meu cavalo eu presenteei:

Não quero me sentir rei

Se já não tenho mais “trono”.

Afinal, não somos donos,

Do que temos nesta vida

E, quando falta a guarida,

Nos sobra a dor do abandono.

 

Não trouxe nenhum pelego

Para não sentir o cheiro

- Pra quem foi homem campeiro

Esta saudade é demais...

Lembranças são imortais

E, embora perto do fim,

A estância, que vive em mim,

Não vou esquecer jamais.