Probidade e tentação
Astor Wartchow
Nas relações
de trabalho privado são freqüentes as simulações de doenças e mal-estar,
suficientes para garantir um atestado médico e até mesmo um seguro-desemprego.
Também tem sido
muito comum o acordo entre patrões e empregados, possibilitando o saque do
saldo de FGTS e o gozo de seis meses de seguro-desemprego. Claro que ganhando o
salário atual “por fora” durante esse período!
Também são
comuns as pequenas apropriações (sic) em forma de produtos de má qualidade e
prestação de serviços de segunda categoria, pequenos “empréstimos” de material
de expediente da empresa, descumprimento de prazos e horário de trabalho. Sem
contar os pequenos golpes contábeis-administrativos.
Entre outros
não citados, todos esses exemplos representam, direta ou indiretamente, a
apropriação indevida de fruto do trabalho e produção alheia. Conseqüentemente,
o dinheiro dos outros!
No setor
público não é diferente. O que é o uso e abuso nos gastos governamentais com os cartões de crédito corporativo? O
que significa a mudança da legislação que impedirá a fiscalização plena das
obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas? E em seu estado e município, como se
dá o controle e fiscalização dos gastos públicos?
Periodicamente, ouvimos notícias sobre
expressivos “ressarcimentos de despesas” e aumentos salariais de magistrados e
deputados. Mas qual a novidade? Qual a surpresa? Esperavam o que?
Simples: tudo está ligado. O querer
levar vantagem, a memória curta do cidadão, os fanatismos (e interesses)
partidários que calam a própria vigilância e autocrítica, e acabam por
desculpar governos e companheiros votantes, não votantes e ausentes. Ausentes
nessa hora?
São reações e ações do mesmo corpo,
faces da mesma moeda. E assim prosseguirá o “baile”. Se a locupletação é
generalizada, se a manutenção e ampliação de privilégios ofensivos à realidade
do povo são argüidos e equiparados constitucional e descaradamente, qual é, ou
deveria ser, o núcleo de nossa indignação e reação?
Para começo de conversa, devemos
combater o gigantismo do governo federal, principalmente do Poder Executivo e
do Legislativo. Mas os estados também não “escapam”.
Mas ainda tem gente que “embarca”
nessa conversa de estatais e intervenção pública em geral. A maioria do povo
brasileiro ainda acredita que “são os governos” que vão melhorar sua vida.
Nesse caso, resta ficar calado e pagar o preço.
O fantasma do ilustre gaúcho de
Vacaria, advogado e historiador Raimundo Faoro (1925-2003), dá gargalhadas nos
corredores das oficiais casas d’Os Donos do Poder (leia o livro de 1958!). Já
dizia que é uma rede que extrai da nação tudo o que pode. E a sociedade
submissa se adapta!
No suceder das apropriações indébitas, inevitável lembrar nosso melhor (e
recentemente falecido) filósofo e humorista Millor Fernandes, quando diz: “o que pode uma pobre probidade diante de uma rica tentação?”