Eis um patético relato seu:
Sobre o golpe de estado e a ditadura
militar implantada em 64 li ontem vários textos. Li o de Ruy Gessinger assim
como o de João Francisco Rogowski.
Dizem muito ambos. Eu carrego até
hoje o fato de que estando lotado em Bom Jesus em 1966 recebi telefonema de um
vizinho e colega, Luiz Carlos Costa que também era redator da Folha da Tarde.
Disse-me que meus pais (éramos
residentes na rua prof. Ivo Corseuil) estavam com problemas de saúde, pois já
idosos. Perguntou-me se não desejava voltar a Porto Alegre. Vibrei com tal
possibilidade, pois criado em Porto Alegre sentia-me desconfortável em Bom
Jesus e também por que não tenho espírito de pinguim. Veio então à bomba. Só
seria possível me lotar no DOPS e que ali ficaria até o final do ano. Perguntei
a ele se não havia possibilidade de qualquer Delegacia, pois o dito criminoso
político de hoje é o herói de amanhã, ao passo que o em qualquer democracia é
criminoso é sempre criminoso.
A Presidente da República foi presa,
torturada de forma covarde e condenada. Passou três anos de sua juventude no
Presídio Central onde conheceu Carlos Araújo com quem casou. O crime dela foi
se opor à ditadura militar.
Ouvi e li de ontem para hoje
incontáveis opiniões sobre tal período e parece-me que os historiadores ou tem
memória curta ou são covardes, pois nenhum deles incluiu entre os responsáveis
pela ditadura a Igreja Romana.
E digo isto por que em nossa rua em
prédio na esquina da Rua Mariz e Barros residia um agrônomo de nome Peter
(holandês) que disse a mim e vários outros jovens que estava de retorno ao seu
país, pois o padre havia afirmado em seus sermões que os comunistas estavam
tomando conta do país. Ora, se o padre havia dito tinha que ser verdade, pois
eles atuam em nome do Criador mesmo não tendo instrumento de procuração para
tal.
Topei a remoção e apresentei-me no
DOPS em primeiro de agosto. No dia 13 daquele mês um colega havia adoecido e
fui convocado para cobrir o plantão dele. Chequei lá por volta das 15 horas.
Cerca de uma hora depois o Delegado Enir Barcellos da Silva, um dos Diretores
do DOPS chegou com um jovem casal que havia prendido. Eram Edgar Pernau e sua
namorada ou noiva. O crime deles foi terem participado de uma leve colisão com
o veículo conduzido pelo referido Delegado que era irmão de um Oficial do
Exército também ligado a repressão política. Edgar era filho do senhor Henrique
Pernau, residente da Rua Visconde Duprat, uma transversal da rua em que
residíamos. Era gerente de Lojas Renner e amigo de meu pai.
Minutos antes de escurecer foi
levado do xadrez à sala do plantão um cidadão que eu desconhecia. Pareceu-me
ser nordestino. Vestia camisa volta ao mundo com as mangas dobradas e uma calça
de nycron preta “aquelas do comercial do senta e levanta”. Ele pareceu-me
assustado e trazia sob um dos braços uma caixa de sapatos sem tampa a qual
continha material de higiene pessoal e algumas cartas. Foi o que pude observar.
Começava a anoitecer quando ele foi mandado embora. Fui até a janela que dava
para a Av. Ipiranga e vi que ele assim que começou a caminhar na ponte sobre o
Arroio Dilúvio foi apanhado por dois indivíduos que o colocaram num Renault
Gordini.
Terminado o plantão fui para casa.
Na noite de 23 daquele mês foi noticiado que o cadáver do sargento Manoel
Raimundo Soares havia sido localizado no Rio Guaíba. Algumas horas depois, ou
seja, na manhã de 24 de agosto cedo desembarcava de um ônibus a esposa da
vítima desembarcava de um ônibus na rodoviária local.
O busilis da questão soube muito
tempo depois é que constava no livro de presos que ele havia sido libertado ao
meio-dia e não ao escurecer como testemunhei. No dia seguinte fui ao necrotério
do IML, então atrás da Santa Casa e reconheci o morto como sendo aquele que
havia visto ser libertado. Junto comigo estava o Guarda Civil Dionísio Torres
Medeiros, tão jovem quanto eu. Algumas semanas depois encontrei o Regis na
escadaria do prédio e ele disse-me estar aliviado, pois conseguira remoção para
Rio Grande. Recomendei a ele cuidado, pois sendo uma cidade portuária podia ser
mais perigosa que outras.
Não sei como explicar o que me fez
dizer tal a ele que no mesmo dia em que chegou a Rio Grande foi assassinado com
um tiro na cabeça.
Em dezembro conforme me havia sido
prometido consegui sair daquele inferno, passando a combater o crime verdadeira
função da Polícia.
Algum tempo um adevogado de
nome Aldrovando de Oliveira Micelli escreveu uma dessas obras literárias para
faturar e na qual acusava a mim e ao Comissário Ribeiro como sendo os autores
de tal assassinato político e que o mesmo seria decorrente de um “acidente” no
momento em que nós dois estaríamos dando um “caldo” na vítima às margens do
Guaíba. O caldo é o afogamento ou a asfixia parcial com água para obtenção de
uma confissão.
Óbvio que se fosse esse o caso não
seria necessário ir até o rio, pois penso que basta um balde com água.
Indignado procurei um advogado e
movi um processo contra esse adevogado Micelli. Alguns meses depois ao procurar
o cartório da Vara Criminal no Foro Central constatei que o processo havia
sumido, ou seja, alguém havia pedido vistas do processo e sumido com o mesmo.
Esse Micelli já morreu e ao que sei de causas naturais.
Antes da ditadura em cursava o
clássico no Colégio Estadual Infante Dom Henrique e fui levado por um amigo a
uma reunião de estudantes na faculdade de direito da URGS. Lembro que ouvi de
Pila Vares, já falecido e que trabalhou em ZH que o Brizola quando a coisa
apertasse fugiria do país.
Algum tempo depois soube por uma
fonte confiável que um tribunal revolucionário me havia condenado a morte pelo
assassinato do sargento Manoel Raimundo Soares. Não sei como acabei não sendo
executado assim como não sei com que provas teria havido minha condenação. Essa
cruz carrego até hoje e não culpo a ninguém senão a alguns membros da polícia
política que em minha coluna me acusam dessa morte toda vez que posto um texto
e esses o fazem por ordem dos seus coronés que já tentaram me tirar tal espaço
inclusive com uma reunião promovida por alguém do MP entre esses coronés e o
editor do portal. Mandam os vira latas me baterem.
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Jorge Loeffle