O
homem das cavernas
Quando tinha entre seis e sete anos,
meu filho perguntava - ao me ver sair diariamente rumo ao trabalho - por que eu
não poderia ficar em casa e brincar com ele.
Eu respondia dizendo que assim como o
homem das cavernas saia todos os dias em busca da caça e das frutas – nas
histórias em quadrinhos que líamos juntos, nós homens modernos vendemos nosso
trabalho diário em troca de dinheiro. E com esse dinheiro compramos as mesmas
carnes e frutas.
Depois, quando o mesmo filho já tinha
em torno de quinze anos, eu continuava afirmando que nós realmente ainda éramos
(e somos) homens da caverna. E o que nos diferenciava era o fato de possuirmos
casas melhores, roupas coloridas e equipamentos de facilitação de trabalho,
lazer e locomoção.
E que, apesar dessa bela e envernizada
aparência e todos os modernos equipamentos, lá no fundo de nossa alma ainda
dormia e roncava o homem das cavernas. Mas que, perigosamente, alternava
momentos de silêncio e inação com outros tantos de ruidosa, brutal e mortal
intervenção no nosso dia-a-dia.
É verdade que muitos humanos, mundo
afora e através dos tempos, os melhores exemplos de todas as artes e ofícios,
iluminam nossa precária, caótica e desequilibrada existência. Porém,
infelizmente, foi e é um esforço não suficiente para calar de vez e fazer
“dormir” para sempre o homem das cavernas que em nós ainda habita.
Pode parecer um exagero minha
surpreendente e retórica metáfora. Mas, como se não assim para explicar e
justificar os vários, sucessivos e históricos atos de violência entre humanos.
São as guerras de poder e território
que arrastam milhares de jovens ao terror e à morte. As desavenças étnicas que
perturbam e machucam tantas nações. A interminável violência física e mental
sobre as mulheres e crianças.
Também é cruel o tratamento que nega
direitos às minorias sexual e comportamentalmente diferenciadas, sonegando-lhes
o primário direito à paz espiritual e a realização de suas humanas emoções.
Como nominar as pessoas que agrediram
e atearam fogo em mendigos? Como esquecer o índio pataxó que foi incinerado
vivo em nossa moderna capital, Brasília, conhecida e tombada (ironicamente)
como monumento cultural da humanidade?
E, agora, ainda cá entre nós
brasileiros, ditos e auto-afirmados (falsamente!) cordiais e bonzinhos, como explicar
- além dos demais pecados inconfessos - a violência mortal nas arquibancadas
dos estádios de futebol e os atos explícitos de racismo?
Simples, repito, novamente, ao meu
filho agora com 25 anos, é o homem das cavernas que continua habitando em nós,
carentes de educação, cultura e afeto, principalmente.
Longe está, pois, o futuro de paz,
fraternidade e humanidades. Tristemente distante.