Tá chovendo e eu aqui lendo algumas lembranças que os amigos
relatam, que antecedem a data em que convencionamos homenagear os pais, me vem
a mente uma série de recordações, algumas que me comovem muito, que prefiro
deixar guardado no cofre. Éramos pobres, tínhamos dificuldade para com quase tudo,
meu velho era um artesão nas horas de folga, inteligente, criativo, coisas que
a genética não me privilegiou, no galpão havia uma parte onde ele tinha várias
ferramentas organizadas, e ai de nós se chegássemos perto, em uma bancada de
madeira ele fazia de tudo, consertava o solado de nossos calçados com pneus
velhos, fazia nossos carrinhos de lomba, patinetes, e até um brinquedo que
muitos sequer imaginam, nós o chamávamos de rema - rema , era um carrinho
de lomba, dirigível no eixo dianteiro, mas ele adaptou uma tração movida por
coroa e corrente de bicicleta no eixo traseiro, com uma espécie de excêntrico
que movimentávamos com as mãos num apoio confortável de madeira em forma de
cruz, era um brinquedo fantástico, além de servir ao propósito, também era uma
excelente opção de exercício físico semelhante ao remo de academia; fazia
aviões ( réplicas ) daqueles antigos Douglas americanos, caminhões de madeira,
entre tantos outros brinquedos; um dia ele ganhou uma máquina velha de cortar
cabelo manual, afiou e para economizar, fazia nossos cortes, e perguntava-nos
qual é o corte que preferem ? só havia um tipo : o cadete ( raspava as laterais
e aparava a parte de cima de forma rala ), consertava tudo, sabia fazer de tudo
um pouco, as vezes parava e ficava olhando nós fazendo alguma coisa do tipo, e
dizia esta errado, será que tu não vê seu burro, e podia apostar que ele tinha
razão . Seu tipo era um pouco sisudo, quem não conhecesse sua origem meio
lusitana, diria que tratava-se de um alemão legítimo, na mesa ninguém podia
abrir a boca, mas não era só nestas ocasiões, não tinha muita conversa fiada,
falava ou fazia algumas bobagens e a bronca era certa; depois quando ficou mais
velho mudou um pouco, ficou mais democrático digamos assim.
Me lembro de uma
boa, ou muito ruim, quando estava perto da aposentadoria, comprou uma
DKV, Vemaguet ano 1959, usada, aprendeu a dirigir com mais de 50 anos, um dia
fomos conhecer o Porto Ferreira, balneário no Rio Jacuí, no município de Rio
Pardo, que depois frequentei por aproximadamente 35 anos, a estrada era toda de
chão, e na entrada do balneário, toda extensão era muito estreita, lá pelas
tantas, avistamos uma carroça de duas rodas de aros de ferro na frente, não
havia espaços para ultrapassagem, mas o velho mirou a DKV, e achou que daria,
porém a ponteira, tipo aquelas bigas romanas, pegou na lateral direita da
camionete e rasgou a lataria de ponta a ponta, aquilo estragou nosso passeio,
nem apreciamos muito aquelas águas límpidas da praia, que depois desapareceram
com as barragens; na volta perto de Ramiz Galvão, onde travou-se a batalha do
barro vermelho ( farroupilha ), tinha um homem fazendo sinal, e o velho disse
no interior da viatura, não tem lugar para carona , mas era para sinalizar que
um posta havia caído, e o fio grosso de cobre se estendia em diagonal, fato que
culminou com uma lixação total do lado esquerdo, paramos e me lembro do velho
nervoso, minha mãe então disse tu não tens condição de dirigir, e o velho não
tinha opções, continuamos a pequena viagem de retorno, e perto da Fazenda
Hildebrand, passa uma camioneta F-100, e uma pedra bate no para-brisa dianteiro
estilhaçando o vidro, o velho aquela altura já estava mais do que nervoso,
continuamos e felizmente chegamos em casa. Na outra semana encaminhou para
funilaria, lado direito, esquerdo, vidro novo e pintura total , a tardinha de
umas duas semanas depois ele chega em casa mais aliviado, feliz por que ficara
como nova, e minha irmã estava saindo para o colégio, e ele diz espera ai , vou
te levar , depois vamos olhar como ficou a DKV,e se foram, estaciona
rapidamente na frente do Colégio Marista São Luís, minha irmã desce e não fecha
bem a porta, aquelas camionetes abriam a porta para frente, ele arranca, e
literalmente a porta também pois encostara contra uma árvore, nós aguardando na
frente de casa, e aparece a DKV e o Véio , sem a porta direita ,,,
Hoje a gente conta
esta história e acha muita graça, mas na época foi muito azar, bota azar nisso,
muito prejuízo, mas são lembranças de um tempo que só ficou na lembrança, o
veio era boa em tudo, era aquela DKV, que era azarada !!!!