Meu avô, Rudolf , morava em
Boa Vista, distrito de Santa Cruz do Sul,onde tinha uma casa comercial, misto de empório
de utensílios, farmácia, tecidos, salão de baile, entreposto de fumo. O homem
era metido, pois em 1950 foi com uma turma de S. Cruz para o Ano Santo em Roma.(Está aí o dr. Sandor Hoppe de testemunha, ele que era
gurizinho e foi junto). Todos os seus filhos e filhas tocavam
algum instrumento. Destacava-se minha falecida tia Brunhilde que me dava
reguaços nos dedos quando tocava o” do” no piano
com o dedo indicador.
Indefectivelmente nos domingos meu pai pegava sua
Dodge, e lá íamos nós: a mãe, mais Lia
e Cleonice, minhas irmãs. Um quilometro antes de chegar à casa do avô, morava
minha avó materna Bertha, viúva duas vezes, mãe
terna de uma penca de filhos. Casa humilde de colonos, sem luz elétrica. Ali
desembarcavam minha mãe e minhas irmãs.
Eu seguia, com meu pai, para a casa dos pianos, violinos e gaitas,da luz elétrica, do
telefone a manivela, da mesa farta. Mas também da
ordem e dos grandes silêncios.
Era só meu pai se distrair e lá ia eu fugindo para a outra
avó. Sua casa tinha olor de forno a lenha, tudo cheirava a fumaça, meu tio
Lino, que morava com ela, me levava a caçar lebres e pombos e pescar no seu
açude. Aos dez anos eu já sabia atirar com a arma
de dois canos dele.
Adorava andar de carroça em cima do pasto colhido para
as vacas.
Antes da hora do ângelus voltava correndo
à casa dos outros avós.
Minhas tias tocavam “ Rodrigues Peña”, “ Re, fa. Si”. E meu avô as obrigando a tocar uma peça a mais e elas
choramingando, não querendo mais.
De vez em quando a casa recebia
o tio Guido, o mais novo, em cujo quarto eu dormia e espiava as cartas que ele
mandava à sua então namorada de P. Alegre, e também o Tio Humberto, pai do
Umberto do Engenheiros do Hawaii. Esses dois tios se compraziam em
aterrorizar a serviçal Ana Stuelp, solteirona e católica fervorosa,
dizendo que estavam estudando para se tornarem pastores
protestantes .
Como não sou completamente burro, fui aproveitando o
lado bom das duas casas, sem infectar
minha cabeça com marimbondos.
Claro que depois descobri o porque do desembarque de minha
mãe na casa de sua genitora. Jamais foi adiante, conquanto ela e meu
pai vivessem em harmonia.
O fosso social era muito fundo entre
uma coloninha e o filho daqueles comerciantes. Mas entre os dois correu
sempre quase tudo muito bem. Sim, meu pai
tocava violino, provinha de uma família fina, mas minha mãe era forte, pertinaz
e justa.
De uma parte fui muito
feliz no lado colono, com seus cheiros , caças, frugalidade e muita ternura.
De outra, me fez bem
aquela cultura e finesse dos avós paternos.
E,como disse antes, é burrice a gente se punir por coisas da vida. Ainda mais quando se é criança.
Não optei por lado algum daquela cizânia. Ali aprendi o significado de “
diplomacia”.
( Publicado hoje no diário Gazeta do Sul)