terça-feira, 2 de julho de 2013

MINHA INFÂNCIA NA CASA DOS AVÓS


 

 
Meu avô, Rudolf , morava em  Boa Vista, distrito de Santa Cruz do Sul,onde tinha uma casa comercial, misto de empório de utensílios, farmácia, tecidos, salão de baile, entreposto de fumo. O homem era metido, pois em 1950 foi com uma turma de S. Cruz para o Ano Santo em Roma.(Está aí o dr. Sandor Hoppe de testemunha, ele que era gurizinho  e foi junto). Todos os seus filhos e filhas tocavam algum instrumento. Destacava-se minha falecida tia Brunhilde que me dava reguaços nos dedos quando tocava o do no piano com o dedo indicador.

 

Indefectivelmente nos domingos meu  pai pegava sua Dodge, e lá íamos  nós: a mãe, mais Lia e Cleonice, minhas irmãs. Um quilometro antes de chegar à casa do avô, morava minha avó materna Bertha, viúva duas vezes, mãe  terna de uma penca de filhos. Casa humilde de colonos, sem luz elétrica. Ali desembarcavam minha mãe e minhas irmãs.

Eu seguia, com meu pai, para a casa dos pianos, violinos e gaitas,da luz elétrica,  do telefone a manivela, da mesa farta. Mas também da ordem e dos grandes silêncios.

Era só meu pai se distrair e lá ia eu fugindo para a outra avó. Sua casa tinha olor de  forno a lenha,  tudo cheirava a fumaça, meu tio Lino, que morava com ela, me levava a caçar lebres e pombos e pescar no seu açude. Aos dez anos eu já sabia atirar com a arma de dois canos dele.

Adorava andar de carroça em cima  do pasto colhido para as vacas.

Antes da hora do ângelus  voltava correndo   à casa dos outros avós.

Minhas tias tocavam “ Rodrigues Peña”, “ Re, fa. Si”. E meu avô as obrigando a tocar uma peça a mais e elas choramingando, não querendo mais.

De vez em quando a casa recebia o tio Guido, o mais novo, em cujo quarto eu dormia e espiava as cartas que ele mandava à sua então namorada de P. Alegre, e também o Tio Humberto, pai do Umberto do Engenheiros do Hawaii.  Esses dois tios se compraziam em aterrorizar a  serviçal Ana Stuelp, solteirona e católica fervorosa,  dizendo que estavam estudando para se  tornarem pastores protestantes .

Como não sou  completamente burro, fui aproveitando o lado bom das duas casas, sem infectar minha   cabeça com marimbondos.

Claro que depois descobri o porque do desembarque de minha mãe na casa de  sua genitora. Jamais foi adiante, conquanto ela e meu pai vivessem em harmonia.

O fosso social era muito fundo entre uma coloninha e o filho daqueles comerciantes. Mas entre   os dois correu sempre quase  tudo muito bem. Sim, meu pai tocava violino, provinha de uma família fina, mas minha mãe era forte, pertinaz e justa.

De uma parte fui muito feliz no lado colono, com seus cheiros , caças, frugalidade e muita ternura.

De outra, me fez bem aquela cultura e finesse dos avós paternos.

E,como disse antes, é burrice a gente  se punir por coisas da vida. Ainda mais quando se é criança. Não optei por lado algum daquela  cizânia. Ali aprendi o significado de “ diplomacia”.
( Publicado hoje no diário Gazeta do Sul)