Às vezes sou questionada sobre a denominação “alemães” para os
imigrantes que vieram para construir vida onde hoje nossa vida medra. Há
quem afirme: “de alemão Santa Cruz não tem nada”. Essas pessoas se
baseiam no fato de que em 1849, quando começaram a vir imigrantes
do centro da Europa para a então recém-fundada Colônia Santa Cruz ainda não
existia o Estado Alemão, enquanto unidade política. Naquela época existiam
diversos pequenos reinados, principados, ducados de origem germânica, mas
independentes entre si. O que os unia era o DEUTSCH.
Deutsch é uma língua indo-européia do grupo ocidental das línguas
germânicas. O termo Deutsch procede do Althochdeutsch, diutisc
que originariamente significava “zum Volk gerhörig”, “pertencente ao povo”. Em
1080 aparece o termo „Deutsch“ no Annolied do Mosteiro Siegburg: „Deutsch
sprechen, deutsche Leute in deutschem Lande.“- „Alemão falam pessoas alemãs em
terra alemã“.
Originalmente, cada sub-grupo germânico tinha sua língua própria, como
Sächsisch, Alemanisch ou Fränkisch. No entanto, todas elas compunham formas
especiais de uma mesma língua, e essa familiaridade linguística permeava os
pequenos Estados. Já na Idade Média eram consideradas parte da língua alemã
moderna, para cujo estabelecimento contribuiu, em muito, a tradução da Bíblia
feita por Martin Luther, em 1531, para que os alemães pudessem lê-la. Luther a
traduziu do latim para um dialeto supradialetal, o Hochdeutsch que rapidamente
se difundiu também por obra de um outro alemão, Johannes Gutenberg
e pela Revolução da Imprensa. Esse Deutsch impulsionou também a
união dos diferentes departamentos políticos provenientes da Idade Média.
Enquanto famílias de alemães vinham para cá, havia, em sua Heimat,
diversos movimentos em favor da união entre os Estados. A März Revolution de
1848 foi um deles. Essa unificação aconteceu sob o governo prussiano de Bismark
em 1871. Mas, já em meados de 1700, existia a obrigatoriedade da frequência
escolar na Prússia, o que também contribuiu para que o Hochdeutsch se
propagasse. Nos passaportes das pessoas vindas ao RS constava a procedência.
Vinham da Renânia, da Pomerânia, Prussia, .... No entanto, como todas essas
pessoas falavam alemão, a História as registra como “alemães”. Mais da metade
dos que vieram para Santa Cruz, por exemplo, sabia ler e escrever em alemão.
Portanto, quando se fala em imigrantes da Alemanha, antes de 1871, a
referência é feita às pessoas de fala alemã, de origem germânica. Para além dos
Estados, era a língua que os identificava. Por isso, também não viam mal algum
em manterem viva a sua língua, porquanto esta consistia de um direito advindo
de sua origem. Continuar aqui falando alemão não lhes era empecilho para
cultivarem o bem-querer à nova Heimat. Eles não concebiam a língua
que falavam como imperativo para amar o lugar de seu viver.
Essa língua alemã continua presente em Santa Cruz e faz parte de seu
patrimônio imaterial. E precisa ser resgatada da invisibilidade a que foi
relegada e co-oficializada como língua regional, por ser um bem coletivo que
confere forte especificidade à região.