terça-feira, 30 de julho de 2013

DE ALEMÃO SANTA CRUZ NÃO TEM NADA? por Lissi Bender - UNISC


Às vezes sou questionada sobre a denominação “alemães” para os imigrantes que vieram  para construir vida onde hoje nossa vida medra. Há quem afirme: “de alemão Santa Cruz não tem nada”.  Essas pessoas se baseiam no fato de que em  1849, quando  começaram a vir imigrantes do centro da Europa para a então recém-fundada Colônia Santa Cruz ainda não existia o Estado Alemão, enquanto unidade política. Naquela época existiam diversos pequenos reinados, principados, ducados de origem germânica, mas independentes entre si. O que os unia era o DEUTSCH.

Deutsch  é uma língua indo-européia do grupo ocidental das línguas germânicas. O termo Deutsch  procede do Althochdeutsch,  diutisc que originariamente significava “zum Volk gerhörig”, “pertencente ao povo”. Em 1080 aparece o termo „Deutsch“ no Annolied do Mosteiro Siegburg: „Deutsch sprechen, deutsche Leute in deutschem Lande.“- „Alemão falam pessoas alemãs em terra alemã“.

Originalmente, cada sub-grupo germânico tinha sua língua própria, como Sächsisch, Alemanisch ou Fränkisch. No entanto, todas elas compunham formas especiais de uma mesma língua, e essa familiaridade linguística permeava os pequenos Estados. Já na Idade Média eram consideradas parte da língua alemã moderna, para cujo estabelecimento contribuiu, em muito, a tradução da Bíblia feita por Martin Luther, em 1531, para que os alemães pudessem lê-la. Luther a traduziu do latim para um dialeto supradialetal, o Hochdeutsch que rapidamente se difundiu também por obra de  um outro alemão, Johannes Gutenberg  e pela Revolução da Imprensa. Esse Deutsch impulsionou  também  a união dos diferentes departamentos políticos provenientes da Idade Média.

Enquanto famílias  de alemães vinham para cá, havia, em sua Heimat, diversos movimentos em favor da união entre os Estados. A März Revolution de 1848 foi um deles. Essa unificação aconteceu sob o governo prussiano de Bismark em 1871. Mas, já em meados de 1700, existia a obrigatoriedade da frequência escolar na Prússia, o que também contribuiu para que  o Hochdeutsch se propagasse. Nos passaportes das pessoas vindas ao RS constava a procedência. Vinham da Renânia, da Pomerânia, Prussia, .... No entanto, como todas essas pessoas falavam alemão, a História as registra como “alemães”. Mais da metade dos que vieram para Santa Cruz, por exemplo, sabia ler e escrever em alemão.

Portanto, quando se fala em imigrantes da Alemanha, antes de 1871, a referência é feita às pessoas de fala alemã, de origem germânica. Para além dos Estados, era a língua que os identificava. Por isso, também não viam mal algum em manterem viva a sua língua, porquanto esta consistia de um direito advindo de sua origem. Continuar aqui falando alemão não lhes era empecilho para cultivarem o bem-querer  à nova Heimat. Eles não concebiam a  língua que falavam como imperativo para amar o lugar de seu viver.

Essa língua alemã continua presente em Santa Cruz e faz parte de seu patrimônio imaterial. E precisa ser resgatada da invisibilidade a que foi relegada e co-oficializada como língua regional, por ser um bem coletivo que confere forte especificidade à região.