Uma crônica de natal
Astor
Wartchow
“É verdade que esta noite, se às estrelas
erradias eu pedir o que desejo, o céu o concederá?”, pergunta Pablo à sua mãe.
No Poema de Natal, de Pablo Rojas Guardia, poeta venezuelano (1909-1978).
O natal é o máximo da
experiência mágica da infância. Pena que
logo, nem tão criança e nem tão adulto, dá lugar ao olhar crítico de nossas
desigualdades familiares e sociais.
Nessa noite, quando os sinos das igrejas
repicarem, lembrarei que devo me comportar como se vivesse no melhor dos
reinos. E, preferencialmente, silenciar e sufocar a lembrança de crianças que
não acordarão cercados de brinquedos. Que dirá acolhidos em boa cama e cercados
do afeto de seus pais!
E para não estragar a festa, prometo sorrir
tal qual um presenteado e feliz menino enquanto submeto o adulto ao silêncio e
a anestesia proporcionada pela boa e típica mesa. E em nome da paz festiva,
familiar e social, ainda que falsa aliança, também prometo deixar de lado os
transtornos e assuntos que lembram que há “lá fora” uma guerra pela
sobrevivência e aqui dentro as típicas idiossincrasias familiares.
A maioria das pessoas
consegue presentear e festejar como se não houvesse um mundo exterior. E nem
falo daquele distante, mas aquele bem próximo de nós, às vezes do outro lado de
altos muros, de cercas elétricas e de nossas guaritas. Onde passa a noite de
natal o “nosso guardinha”, distante de sua família e em troca de algumas
simbólicas moedas de ouro, óleo de mirra e incenso.
Há uma força oculta
no natal. Uma força que não é verdadeiramente cristã. Que nos atrai às festas,
às comemorações e para um desfile de dissimulação. O natal resta como um imenso
imã de atração coletiva e de objetivos comerciais e festivos. O tal e popular
Jesus, lembrado e milenar ícone religioso, é apenas mais um garoto propaganda!
O natal que me atrai não é o dos
festejos e dos presentes. O natal que me atrai é aquele que não houve. Afinal,
onde está o amor desinteressado, comprometido e fraternalmente engajado? Não
estamos escravizados pela ostentação de poder e riqueza e de um exibicionismo
acerca de uma felicidade festiva e irreal?
Sabemos que a felicidade real não é do
jeito que é declarada e exibida nessa época do ano. Então, esse exibicionismo
natalino não é uma forma ostensiva de poder e vaidade?
Bem, prometi me comportar. Mas, em
silêncio lembrarei o verso do poeta Manuel Bandeira: “Sou bem nascido. Menino
fui, como os demais, feliz. Depois, veio o mau destino e fez de mim o que
quis”. E agora, faltando poucas horas para a noite de natal, diante do espelho
do meu quarto invoco sua magia e nele me escondo por um dia.
E, imediatamente, deixo sair de lá um
menino faceiro que corre rápido de olho na árvore de natal e na chaminé. E,
quem sabe, sortudo, ainda ouvir um alô de despedida do barbudo: “Hohoho,
hohoho!”