Natal
- Rubem Alves
“(…)
Natal me deixa triste. Porque, por mais que o procure, não o encontro. Natal é
uma celebração. As celebrações acontecem para trazer do esquecimento uma coisa
querida que aconteceu no passado. A celebração deve ser semelhante à coisa
celebrada. Não posso celebrar a vida de Gandhi com um churrasco. Ele era
vegetariano, amava os animais. Uma celebração de Gandhi teria de ser feita com
verduras, água, leite e um falar baixo. Mais a leitura de alguns textos que ele
deixou escritos. Assim Gandhi se tornaria um dos hóspedes da celebração. Agora,
um visitante de outro planeta que nada soubesse das nossas tradições, se ele
comparecesse às festas de Natal, sem que nenhuma explicação lhe fosse dada, ele
concluiria que o objeto da celebração deveria ser um glutão, amante das carnes,
bebidas, do estômago cheio, das conversas em voz alta, do desperdício. Nossas
celebrações de Natal são como as cascas de cigarra agarradas às árvores. Cascas
vazias, das quais a vida se foi. Se perguntar às crianças o que é que está
sendo celebrado, eles não saberão o que dizer. Dirão que o Natal é dia do Papai
Noel, um velho barrigudo de barbas brancas amante do desperdício, que enche os
ricos de presentes e deixa os pobres sem nada. (…) Pois é certo que as
celebrações do Natal são orgias de ricos, celebrações do desperdício e lixo.
Celebrações do lixo? Aquelas pilhas de papel de presente colorido em que vieram
embrulhados os presentes, não são elas essenciais às celebrações? Rasgados,
amassados, embolados num canto. Irão para o lixo. Quantas árvores tiveram de
ser cortadas para que aqueles papéis fossem feitos. Para quê? Para nada. A
indiferença com que tratamos o papel de presentes é uma manifestação da
indiferença com que tratamos a nossa Terra.
Estou
convidando meus amigos para uma celebração de Natal. Ela deverá imitar a ceia
que José e Maria tiveram naquela noite: velas acesas, um pedaço de pão velho,
vinho, um pedaço de queijo, algumas frutas secas. À volta de um prato de sopa
de fubá – comida de pobre –, tentaremos reconstruir na imaginação aquela cena
mansa na estrebaria, um nenezinho deitado numa manjedoura, uma estrela estranha
nos céus, os campos iluminados pelos vaga-lumes. E ouviremos as velhas canções
de Natal, e leremos poemas, e rezaremos em silêncio. Rezaremos pela nossa
Terra, que está sendo destruída pelo mesmo espírito que preside nossas orgias
natalinas. (…)”