Caro Ruy ,
Lendo a sua coluna na Gazeta do Sul do dia de hoje, fez-me viajar
pelas doces lembranças da minha infância.
Tenho hoje 57 anos de idade, e morávamos na casa da minha avó, na
Rua Senador Pinheiro Machado, um pouco abaixo da Rua Thomas Flores; nestas
redondezas brincávamos da carro de lomba, patinete,e jogávamos futebol de pés
descalços nos campinhos cravejados de rosetas .
Mas, o que despertou-me a memória foi o famoso "caveira
" ; subíamos o arroio logo na entrada da Rua Henrique Schuster , após a
Rua do Moinho , e pescávamos lambari, carute , juaninha ,cascudo e o famoso
" jundiá mole " , espécie que escondia-se entre as pedras, que
utilizando-se da estratégia de sujar a água um pouco acima os fisgávamos com
esperas ( pedaço de linha , rolha e anzól ) . Voltávamos para casa com a fieira
cheia (espécie de cipó onde colocávamos os peixes ).
Assim percorríamos pelo leito do arroio , fazíamos pequenas
represas para tomar banho (chamávamos de pocinhos ) ; mas o local mais desejado
era a represa do pequeno balneário da família Goldbecker , que era conhecido
como "Caveira " ; na verdade eu nunca fui atrás para saber a origem
do nome .
Haviam nesta chacrinha , pequenos chalés , que serviam como
quartos onde os familiares se hospedavam .
Para se tomar banho tinha duas alternativas, pedir para uma
senhora velhinha dona do local e que veraneava todos os verões que quase nunca
autorizava pela responsabilidade e riscos de acidentes e afogamentos, ou
banhar-se atirando-se na represa sem autorização;não precisa nem mencionar qual
era alternativa predileta da gurizada .
Eu lembro-me que nossa curiosidade e criatividade eram muito
fortes, ao ponto de escalarmos os morros após o "caveira", para
descobrir a nascente daquele arroio, e descobrimos , chamamos o local de "
chuveirinho " , uma fonte brotava entre as pedras num ponto que poderíamos
chamar de "cânion" entre a linha João Alves e o morro da Britadeira ,
local conhecido na época . Era uma água límpida , pura , que percorria a
descida do morro, entre pedras , e densas matas nativas , até formar-se o
arroio que abastecia o famoso "caveira" , e que transbordava por cima
da taipa , e seguia seu curso .
Hoje, o pobre arroio recebe todos esgotos das vilas que se
expandiram pela redondeza, não existem mais árvores nativas centenárias , não
existe mais peixes , nem os pássaros raros , nada mais . O único lugar que
mantém a natureza da época é a área do batalhão do exército, onde o pobre
arroio ainda respira o ar puro no meio da mata existente , apesar da água
totalmente poluída .
Assim vamos tocando a nossa vida , com muitas saudades do tempo em
que convivíamos de forma harmônica ,respeitando e preservando a natureza .
Abraço.
Élvio.