Rastreabilidade: á força, não!
O debate sobre o tema da rastreabilidade do gado bovino no Rio Grande do Sul sempre foi turvado por simplificações grosseiras de parte a parte. Para quem não esteja familiarizado com a questão, cabe dizer que esta tecnologia consiste na aplicação de brincos com chips no gado bovino, armazenando todas as informações do animal para um banco de dados sistematizado. Uma bela tecnologia, sem dúvida. No entanto, quando o governo estadual anuncia a intenção de criar um programa para o rastreamento obrigatório do gado bovino do Estado, talvez seja uma boa hora para convocar novamente a lucidez para esta polêmica.
A rastreabilidade é uma tecnologia inovadora para a gestão rural, sem dúvida alguma. No entanto, sempre fico preocupado quando se fala em obrigar o produtor, seja pelo meio que for, a adotar este procedimento. Se de fato vivemos em um regime de livre comércio, cada produtor rural deveria ser livre para adotar ou não esta tecnologia, arcando com as conseqüências desta escolha perante o mercado.
Como o mal sempre se traveste com a roupagem das boas intenções, no presente caso se pretende violentar a liberdade individual do produtor sob o bom pretexto de incrementar a renda no campo, argumento falso que até aqui vem prosperando por ausência de contraponto. Em primeiro lugar, não é verdade que o gado rastreado sempre garanta boa remuneração por parte do comprador do exterior. Se o produtor cria gado de corte da raça hereford, por exemplo, e além disso rastreia o gado, ele terá que escolher qual dos diferenciais será utilizado para a venda, ou a rastreabilidade ou a raça distinta. E de mais a mais, a rastreabilidade visa basicamente o Mercado Comum Europeu, que durante anos a fio assombrou o gado gaúcho com suas exigências pernósticas. Hoje, todos os jornais do planeta estão cansados de noticiar sobre a crise da Europa, e não são poucos os produtores brasileiros que apostaram tudo no comprador europeu e viram a vaca ir pro brejo, com brinco rastreador e tudo.
E não é demais lembrar que o panorama da pecuária gaúcha é bastante diverso. Assim como há o criador empresarial que faz a opção de rastrear seu gado, há também o profissional liberal que cria, ás vezes, menos que 20 rezes, numa propriedade familiar, ás vezes até no campo de algum parente. Muitos torcem o nariz para esse tipo de pecuarista, chamado de “aventureiro” ou de “amador” pelos defensores do gado rastreado, mas será honesto querer obrigar este produtor, que obviamente não visa o mercado externo, a adotar uma tecnologia cara como essa? Ou ele não tem o direito de escolher apenas o mercado interno? Vale dizer que, no Rio Grande do Sul, a maior parte da nossa pecuária está espalhada em pequenas propriedades, que criam de 01 a 50 rezes, e que tem seu foco nos mercados locais. Para estes pecuaristas familiares, a utilidade desta tecnologia, que visa mais o mercado exterior, é praticamente nula.
Trata-se de uma idéia muito boa para as indústrias especializadas na fabricação de brincos com chip, porém de utilidade bastante duvidosa para a imensa maioria dos nossos produtores. Trocando em miúdos, obrigar todo pecuarista gaúcho a rastrear seu gado seria quase a mesma coisa que obrigar todos os comerciantes a venderem apenas roupas de griffe, e de uma determinada marca apenas. A fibra do homem do campo, ao longo da história do Estado, sempre resistiu diante de medidas autoritárias e sem razão aparente. Fica o recado da sabedoria de um ditado muito comum na nossa sempre altiva Fronteira Oeste: “obrigado é pau-de-arrasto!”. Rastreabilidade sim, desde que seja como opção livre do produtor, não como imposição.
Tarso Francisco Pires Teixeira
Presidente do Sindicato Rural de São Gabriel
Vice Presidente da Farsul