Filtrar as demandas judiciais que não tem aptidão à tutela jurisdicional como
forma de aliviar a sobrecarga do judiciário.
Por RAEL ROGOWSKI
Advogado e Consultor Financeiro
Há poucos dias circulou uma notícia inusitada e que passou meio despercebida da mídia dando conta que a Justiça Federal de Caxias do Sul (RS) apreciou e julgou, em cinco dias, processo relativo à revisão de valores pagos a segurado do INSS a título de pensão por morte.
Muito se tem falado e escrito sobre a crise da Justiça brasileira, apontando causas e buscando soluções, mas a notícia citada reacende a polêmica gerada por José Moura Nunes da Cruz que foi presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal entre 2005 e 2006 quando disse que muitos juízes não trabalham, que um caso que pode ser despachado em meia hora leva dois anos para ser decidido, in verbis:
"... os juízes devem assumir responsabilidades, acrescentando haver muitos que não trabalham o que deviam trabalhar e que não é admissível que um caso que pode ser despachado em meia hora, por exemplo, esteja um ou dois anos à espera." [1]
A crise do judiciário não é um "privilégio" brasileiro, ela vem sendo observada em diferentes países e é decorrente em grande parte da globalização e da crise econômica mundial.
Países como França e Itália têm sido sistematicamente condenados pela Corte Européia de Direitos Humanos ao pagamento de indenizações em função do atraso injustificado na concessão da prestação jurisdicional.
O Estado Brasileiro não está livre de sofrer o mesmo tipo de condenação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos que prevê a razoável duração do processo, regra, inclusive, incorporada ao nosso Direito Interno.
Os profissionais da advocacia são os que possuem melhor compreensão das mazelas do judiciário por sentirem os seus efeitos na própria carne e percebem que a sobrecarga do Judiciário poderia ser atenuada apenas com o singelo cumprimento da lei, em especial os artigos, 267 e 295 do código de processo civil que apontam as hipóteses de indeferimento da petição inicial e extinção do processo sem resolução de mérito
Tem se visto verdadeiros absurdos, enxurradas de ações de cobrança de dívidas prescritas em prejuízo da sociedade já que o instituto da prescrição existe não em benefício do devedor, mas em defesa da paz social. A imprensa noticia a existência de "máfias" de cobrança de dívidas prescritas e de cartórios no Rio de Janeiro que se prestam a executar o protesto contra devedores domiciliados em outros estados.
Um grande volume de ações judiciais são propostas por partes manifestamente ilegítimas ou com carência de interesse processual, e, essas ações, que deveriam ser abortadas no nascedouro, acabam percorrendo toda Via Dolorosa para só depois de anos de tramitação de um longo e dispendioso processo de conhecimento ser reconhecido àquilo que deveria ter sido declarado em despacho de indeferimento da inicial.
Na mesma linha de entendimento Medeiros[2] (2005,p.147) afirma o seguinte:
"Realmente, é absurdo dizer que não se vislumbra exercício de jurisdição nos casos em que, ao cabo de um longo e dispendioso processo de conhecimento, o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal termine por reconhecer a carência de ação por se haver verificado a ausência de quaisquer condições da ação, a teor do preceituado no inciso VI do art. 267 do Código de Processo Civil."
A exemplo do que já vem ocorrendo nos tribunais superiores, é preciso esquadrinhar os pressupostos formais de admissibilidade das ações judiciais na primeira instância funcionando como um modelo de filtro processual eficaz e eficiente, hábil a limitar sobremaneira o número de processos que vão a julgamento.
A exigência da tentativa de conciliação prévia extrajudicial também deveria ser avaliada.
Já que há certa negligência na aplicação da lei processual como antes referido, seria muito producente se o Conselho Nacional de Justiça – CNJ - expedisse orientação aos Tribunais para a padronização de procedimentos no sentido de passar um “pente fino” nessas demandas judiciais que não tem aptidão à tutela jurisdicional.
[2] MEDEIROS, João Paulo Fontoura de. Teoria Geral do Processo. Curitiba: Juruá, 2005.